Secult divulga nota de pesar pela partida de Belchior, artista cearense que reinventou a canção popular

A manhã chuvosa de domingo em Fortaleza veio com a notícia da despedida de Antonio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, nosso eternamente querido e admirado Belchior. Os cearenses, que assim como os cidadãos de todo o Brasil já enfrentavam a saudade da convivência com o grande cantor, compositor, artista visual, calígrafo, pensador, agitador cultural, bom-papo Belchior, agora se veem perplexos, consternados diante dessa triste notícia, que encerra o sonho de uma volta aos palcos do  autor de “Coração selvagem”, “Como nossos pais”, “Apenas um rapaz latinoamericano”, “Conheço meu lugar”, “Pequeno perfil de um cidadão comum”, “Velha roupa colorida”, “Na hora do almoço”, “Não leve flores”, “Brasileiramente linda”, “Mucuripe” (com Raimundo Fagner), “Chão sagrado” (com Rodger Rogério) e de tantas, tão belas e contundentes canções.
Jovem que nos anos 60 trocou Sobral por Fortaleza e o cobiçado curso de Medicina por uma incerta carreira musical, Belchior integrou a geração que passaria à história como o “Pessoal do Ceará”. Talvez nenhum deles  tenha encontrado tão cedo o grande objetivo do artista quanto Belchior: um discurso próprio, um projeto estético original, um encontro sem igual entre forma e conteúdo, um sotaque inconfundível, porque único, nas suas canções.
O mesmo Belchior que, contam seus parceiros de geração, não soltava o violão nas rodas em que a turma se reunia para mostrar suas novas canções desenvolveu bastante cedo sua própria forma de compor. Os acordes simples acompanhados de apurado senso melódico e lírico, as letras longas, as narrativas fortes, o olhar para os personagens do dia a dia e para as lutas que fazem a história e o mundo, o discurso direto ao coração e à mente do ouvinte, ainda que como um desafio. “Eu quero é que este canto torto feito faca corte a carne de vocês”.
Com a coragem e as canções que já havia escrito na mesma Fortaleza cuja cena musical ajudava a revelar trabalhando como produtor na televisão local, Belchior seguiu o rumo do sul, da sorte, da estrada que seduz, assim como os companheiros de sonho e de som, e foi decisivo, ao vencer o Festival da TV Tupi em 1971 com “Na hora do almoço”, para que muitos deles também se animassem à “diáspora”. Em 1972, lançou “Mucuripe”, na voz do parceiro Fagner, no disco de bolso do Pasquim, música que viria a ser gravada por Elis Regina.
Por já ter gravadora, não participou diretamente do disco “Meu corpo, minha embalagem, todo gasto na viagem “, que reuniu Ednardo, Téti e Roger Rogério em 1973 e se tornou conhecido como “Pessoal do Ceará”. O primeiro disco veio em 1974. Em 1975, Rodger e Téti lançam o LP “Chão Sagrado”, tendo como faixa título a parceria entre Belchior e Rodger. Vem então o segundo disco próprio, em 1976, o clássico “Alucinação”, que, junto a novas gravações de canções suas por Elis, consolidou-o no patamar dos grandes compositores brasileiros da então nova geração.
Além de se despedir da genialidade, do lirismo e da contundência de Belchior, de sua magistral reinvenção da canção popular brasileira, capaz de levar a todas as classes sociais temas densos e profundos, também embalados em espírito crítico, irônico, transformador, o Ceará diz adeus neste domingo a um sonho cultivado por seus cidadãos: o de ver Belchior, na hora que ele julgasse acertada, retornar a nosso Estado e, quem sabe, também aos palcos e estúdios. Com a certeza de muitas e maravilhosas coisas novas pra dizer. Além da importância de sua vasta obra musical, que merece ser cada vez mais estudada, conhecida  e reconhecida para além dos grandes sucessos, ficam para sempre nos corações dos cearenses o sorriso, a verve e as canções do eterno Bel. Porque viver é melhor que sonhar.
Fabiano dos Santos Piúba
Secretário da Cultura do Estado do Ceará

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