Estudantes fazem greve por ação contra mudanças climáticas

Alguns milhares de adolescentes de mais de cem países devem ‘matar’ aula nesta sexta-feira, 15, para seguir o exemplo de uma jovem sueca de 16 anos e fazer uma greve. Uma greve escolar para pedir ações dos governantes contra as mudanças climáticas.

A ação global é o ápice de um movimento solitário que Greta Thunberg deu início em uma sexta-feira de agosto do ano passado. Então com 15 anos, ela decidiu faltar à aula e, munida apenas de um cartaz no qual estava escrito “em greve escolar pelo clima” e panfletos com fatos científicos sobre as mudanças climáticas, ela resolveu solitariamente seguir para a frente do Parlamento sueco, onde se sentou em um protesto silencioso.

Greta estava indignada com a inação de governantes para conter o aquecimento do planeta e decidiu que tinha de fazer alguma coisa: greve escolar até que a Suécia se adeque às metas do Acordo de Paris de reduzir emissões a fim de conter o aumento da temperatura do planeta a bem menos de 2ºC até o final do século.

A garota, que se define em seu perfil do Twitter como uma ativista climática com Asperger (um quadro leve de autismo com alto desempenho intelectual), começou a fazer isso todas as sextas-feiras.

Ela já sofria com a crise climática desde os 9 anos de idade, quando começou a aprender sobre o assunto, como contou ao Estado (veja a entrevista logo abaixo). O último verão do hemisfério norte, que castigou com ondas de calor diversos países, lhe indicou que era a hora de agir.

Sua figura magrinha, diminuta, séria, serena e decidida acabou se espalhando e influenciando pessoas com mais força e rapidez do que qualquer outra tentativa anterior de manifestação ambientalista. A menina se transformou em uma liderança climática e um símbolo de esperança. Nesta quinta, véspera da grande mobilização, foi indicada por um deputado do Partido Socialista norueguês a prêmio Nobel da Paz.

“Se não fizermos nada para conter a mudança do clima, ela será a causa de guerras, conflitos e refugiados”, disse o deputado Freddy André Øvstegård. “Greta Thunberg lançou um movimento em massa que eu vejo como a maior contribuição para a paz.”

Da greve a Davos

Em pouco tempo após a primeira greve, Greta passou a ser acompanhada por outros suecos. Logo jovens de outros países começaram a imitá-la. Os atos – alguns com dezenas de milhares de pessoas – ganharam o nome de Fridays for Future. Algumas semanas depois ela já fazia um discurso na marcha pelo clima. Em dezembro, se dirigiu a diplomatas, ministros e chefes de estados na Conferência do Clima da ONU, na Polônia.

E em janeiro deste ano, discursou no Fórum Econômico Mundial, em Davos: “Os adultos continuam dizendo: ‘Devemos dar aos jovens esperança’, mas eu não quero sua esperança. Eu não quero que você seja esperançoso. Eu quero que você entre em pânico. Eu quero que você sinta o medo que sinto todos os dias. E então eu quero que você aja.”

Greta lê seu discurso para líderes mundiais no Fórum Mundial Econômico em Davos. Crédito: Markus Schreiber / AP

Para esta sexta estão previstos para ocorrer manifestações, encontros e greves escolares em ao menos 1.769 cidades em 112 países, de acordo com a última contagem. Os registros de eventos, porém, estavam crescendo rapidamente nos últimos dias. Pelo twitter, ela convocava mais gente. “Todo mundo é bem-vindo. Todo mundo é necessário.Vamos mudar a história. E vamos continuar pelo tempo que for.”

Em um vídeo afixado no alto de seu perfil, ela responde aos seus críticos: “Algumas pessoas dizem que nós deveríamos estar na escola. Mas por que deveríamos estar estudando por um futuro que em breve não mais vai existir e enquanto ninguém está fazendo nada para salvar esse futuro? Qual é o sentido de aprender informações no sistema educacional quando as informações mais importantes dadas pelos melhores cientistas desse mesmo sistema educacional claramente não significam nada para os nossos políticos e a nossa sociedade?”

‘Temos de continuar até começar a ter uma mudança real’

Em entrevista ao Estado, Greta conta o que a motivou a iniciar a greve escolar e suas expectativas para o futuro do movimento.

Quando você começou a aprender sobre mudanças climáticas e que impacto isso teve em você?

Acho que eu tinha uns 9 anos. Pensei como era estranho que uma coisa que parecia tão importante não estava sendo levada a sério por ninguém. Os professores diziam uma coisa e ainda assim todo mundo estava fazendo exatamente o oposto.

Como você decidiu que tinha de fazer algo a respeito? Soube que seus pais foram seu primeiro alvo. Como isso evoluiu para as greves escolares?

Foi um desenvolvimento muito gradual. Uma coisa levou a outra. Eu via filmes na escola impactantes, com potencial de mudar vidas, e ainda assim ninguém parecia se importar. Eu fiquei deprimida e parei de ir à escola. Então meus pais começaram a me ouvir. E uma das coisas que mudaram foi sobre pegar aviões. Quando eu percebi o quanto voar era ruim (em relação a emissões de gases de efeito) em um nível individual e ainda assim ninguém se importava… Minha mãe sempre voou muito a trabalho (Malena Erman é cantora de ópera). Depois de muita conversa meus pais acabaram ficando sem desculpas nem argumentos. Então minha mãe decidiu que ia parar de voar. E isso mudou tudo, me deu energia para ser ouvida por outras pessoas.

Qual era o seu plano quando você decidiu entrar sozinha em greve escolar pelo clima? Como você se sentia, sentada sozinha em frente ao Parlamento sueco?

Eu não tinha um plano, simplesmente decidi que eu tinha de fazer algo. Senti que era meu dever moral. Eu tinha apenas um panfleto recheado de fatos de cientistas e de artigos. Tudo evoluiu a partir disso. No começo, eu ficava fazendo minha lição de casa enquanto estava sentada lá.

Muitas outras pessoas em todo o mundo já marcharam e se manifestaram nos últimos anos alertando para os riscos das mudanças climáticas e pedindo por ação dos governantes.O que você acha que fez a diferença no seu caso para você conseguir atrair a atenção e influenciar tanta gente?

Acho que o momento foi o certo e o conceito de desobediência civil gentil foi bem recebido. Mas é importante perceber que os canais estavam todos lá: as pessoas estão lutando e tentando há tanto tempo. Após 3 semanas da primeira greve, fiz meu primeiro discurso. Então, depois de 3 meses e meio eu fui para a 24ª Conferência do Clima (COP), na Polônia (onde se dirigiu a negociadores, ministros e líderes mundiais de 195 países). É preciso ser paciente e apenas continuar. Agora a gente não deve parar nunca. As mudanças necessárias estão além do horizonte mais distante.

Quais são suas expectativas para o movimento agora? Você já teve a chance de falar na COP e durante o Fórum Econômico Mundial em Davos. Você sentiu que os líderes realmente estão dispostos a fazer o que é necessário para parar as mudanças climáticas? Tem esperança que o movimento que você iniciou poderá ter esse resultado?

Tudo o que devemos fazer agora é continuar em frente. Não importa o que acreditamos ou se há esperança. Tudo o que temos de focar é em continuar fazendo essas ações até que a mudança real comece a acontecer.

No Brasil, assim como deve estar ocorrendo em países em desenvolvimento, há algumas manifestações previstas para esta sexta, mas nem de longe no mesmo nível de mobilização que tem ocorrido na Europa e em outros países. O que você diria para empoderar as discussões sobre o problema para jovens que acabaram de tomar consciência do problema vendo o movimento que você iniciou?

Sim, a maioria das pessoas em todo o mundo ainda desconhece as conseqüências da crise climática e de nossa inação. Esse desconhecimento é provavelmente a maior ameaça para a humanidade, juntamente com as crenças exageradas nas soluções tecnológicas. A chave é educação e informação. Temos que começar a tratar esta crise como uma crise. E isso tem de começar hoje. Porque nunca poderemos resolver uma crise sem tratá-la como tal.

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