Por que agressor de Bolsonaro pode dar entrevistas preso e Lula não?

Na reta final para o primeiro turno, Justiça autoriza que autor de atentado contra candidato fala com dois veículos

De um lado um ex-presidente condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, preso na sede da Polícia Federal em Curitiba. Do outro, o criminoso confesso que deu uma facada no candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro, detido na penitenciária federal de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. O primeiro teve sucessivos pedidos para que pudesse dar entrevistas ou mesmo gravar participações no programa eleitoral de seu partido negados pela Justiça, enquanto que o segundo, apesar do processo no qual é investigado sequer ter sido concluído, foi autorizado a falar com veículos de imprensa esta semana. Os casos de Luiz Inácio Lula da Silva e Adélio Bispo de Oliveira exemplificam a discricionariedade no tema. Na prática, a decisão sobre autorizar ou não que alguém que está sob a custódia do Estado conceda entrevistas fica a critério do juiz de execução penal responsável pela unidade onde o preso está.
Pela letra da lei, as duas decisões – permitir ou não que o detido fale com a imprensa – encontram respaldo. A Lei de Execuções Penais, que regulamenta procedimentos relacionados a quem está atrás das grades, prevê que os contatos do preso com o mundo exterior devem se dar “por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes”, o que pode ser evocado por magistrados para negar pedidos de entrevista. Mas os incisos IV e IX do artigo 5º da Constituição Federal asseguram plena liberdade de expressão, sem discriminar aqueles que se encontram no cárcere, o que embasa decisões contrárias.

O resultado é que dependendo de quem analisa o pedido se tem uma resposta diferente. “Cada juiz tem a respeito deste e outros temas um posicionamento próprio”, explica Conrado Gontijo, criminalista e especialista em direito penal do Instituto Brasiliense de Direito Público – SP.“Seria possível que existissem critérios mais objetivos, mas sempre haverá margem para diferentes interpretações, o direito não consegue disciplinar de forma absoluta todas as situações, existem lacunas, inerentes à linguagem e ao texto legal”, diz. Ele defende, no entanto, que “o fato de a pessoa perder o direito de liberdade, de ir e vir, não retira a possibilidade de conceder entrevistas”.
A diferença entre os casos foi criticada na campanha petista. “Nos causa estranheza que um homicida tenha direito de gravar entrevistas dentro da prisão e o presidente Lula, preso injustamente, tem esse direito negado o tempo todo”, afirmou a vice da chapa petista, Manuela D’Ávila (PCdoB). Mesmo dentro da tropa bolsonarista houve protesto contra a entrevista. O deputado federal Fernando Francischini (PSL-PR) protocolou na Justiça mineira um pedido para que o esfaqueador seja impedido de conversar com a imprensa, para garantir a “higidez do pleito eleitoral”.

Adélio não será o único preso a conceder entrevista no cárcere: nos últimos anos ex-chefes do tráfico como Marcinho VP, Nem da Rocinha e Fernandinho Beira-Mar conversaram com veículos de comunicação. Mas ao contrário do que ocorreu com estes presos, chama a atenção no caso de Adélio o fato de que a Polícia Federal, que investiga o atentado cometido contra Jair Bolsonaro (PSL) sequer concluiu o inquérito sobre o crime – as autoridades pediram a prorrogação do prazo para finalizar a investigação. Para o advogado Zanone Manuel de Oliveira Junior, que defende Adélio, seu cliente é “réu confesso”, e não existe possibilidade de que algo que ele diga prejudique a defesa. “Os veículos (‘Veja’ e ‘SBT’) pediram a entrevista, e nós apenas anuímos”, disse ao EL PAÍS, ressaltando que “deverá haver algum de seus advogados presentes” durante o encontro, que deve ocorrer na quinta-feira.
Segundo o advogado, nenhuma novidade deve surgir destas entrevistas. “O caso está sendo investigado pelas autoridades mais competentes. Se há algo latente, oculto, como alguém por trás, participação de outras pessoas, outras finalidades, tudo virá à tona na investigação”, afirma. Junior acredita, no entanto, que a versão de que seu cliente agiu sozinho sem nenhuma outra motivação além do ódio ao candidato é a que prevalecerá. A equipe responsável pela defesa de Adélio contratou um psiquiatra forense para elaborar um laudo para referendar a tese de que ele não é totalmente “são”.
Outra questão levantada é com relação aos possíveis impactos que a entrevista de Adélio pode ter na corrida eleitoral, uma vez que será veiculada a menos de dez dias do primeiro turno do pleito. “Efetivamente o momento pré-eleições demanda por parte do juízo [que autorizou a entrevista] um cuidado e rigor especial para que não haja manipulação, é preciso que haja essa ponderação”, diz o criminalista Gontijo. De qualquer forma, “não podemos partir do pressuposto de que o preso irá mentir, não podemos partir dessa desconfiança, de ele irá dizer isso ou aquilo, para desequilibrar as eleições”.
A reportagem procurou a Polícia Federal para saber se a entrevista de Adélio poderia prejudicar as investigações em andamento, mas a assessoria do órgão informou que não iria comentar a decisão da Justiça de permitir que preso a falasse. O Ministério da Segurança, responsável pela penitenciária federal de Campo Grande, também não se manifestou sobre a decisão.
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