Precisamos falar sobre eutanásia

A bioética religiosa defende a sacralidade da vida e não admite exceções. Já a visão laica prioriza a qualidade da existência e a diminuição do sofrimento

A vida é um valor absoluto e deve ser preservada a qualquer custo? E quando sua manutenção é sinônimo de enorme sofrimento e a própria pessoa, no exercício da sua liberdade individual, quer dar um fim à dor que tornou sua existência insuportável? A discussão é difícil, mas necessária. Na semana passada, assisti à advogada colombiana Luz Adriana González Correa falar sobre a eutanásia num evento promovido pelo Fórum Permanente de Biodireito, Bioética e Gerontologia e o Fórum Permanente de Direitos Humanos. Mestre em Cidadania e Direitos Humanos da Universidade de Barcelona, a doutora Adriana González esteve no epicentro de uma polêmica envolvendo a questão em seu país.

A Colômbia legalizou a eutanásia em 1997, como ela explicou: “houve o entendimento que, no caso de doença incurável e terminal, acompanhada de grande sofrimento, solicitar o fim da vida era um ato de livre arbítrio, desde que a pessoa estivesse em pleno gozo de suas faculdades mentais. Tão importante quanto viver dignamente é morrer dignamente, e o trabalho dos médicos envolvidos nesse processo é de respeito à dignidade humana, compaixão e misericórdia”. No entanto, até 2015, embora alguns médicos a praticassem, a falta de regulamentação sobre o tema criara um limbo jurídico. Somente nesse ano foram estabelecidas as diretrizes que normatizaram a liberação de um pedido de eutanásia. “Foram criados comitês científico-interdisciplinares para avaliar as solicitações. Cada comitê tem um médico, para referendar a extensão e gravidade da doença; um psiquiatra ou psicólogo, para atestar a capacidade cognitiva do paciente; e um advogado para revisar se os procedimentos estão dentro dos termos legais”, acrescentou.

Mesmo com a regulamentação, o caso do sapateiro José Ovidio González Correa mobilizou o país. A doutora Adriana era a advogada desse homem de 79 anos que pediu para morrer, depois de cinco anos sofrendo com um câncer de boca agressivo que desfigurou seu rosto e lhe causava dores lancinantes. Seu pedido foi aceito pelo comitê, mas a clínica onde seria realizado o procedimento o cancelou momentos antes do seu início, com a alegação de que o paciente “ainda era funcional” – isso apesar dos apelos do idoso, que, além da dor, já havia perdido 40 quilos por não conseguir se alimentar. O próprio Ministério da Saúde interveio e, uma semana depois, Ovidio, pai do chargista Julio César González, cujo nome artístico é Matador e estampou o drama familiar em vários trabalhos, se tornou o primeiro caso de eutanásia legal na Colômbia. Em março deste ano, o país, que continua sendo a única nação da América Latina com um processo definido voltado para adultos, regulou a prática também para menores de idade.

A juíza Maria Aglaé Tedesco Vilardo, que preside o Fórum Permanente de Biodireito, afirmou que o Brasil não permite a eutanásia, mas que a prática não está tipificada no Código Penal. “Há apenas os artigos 121, sobre o crime de matar alguém; e o 122, que é o crime de auxílio ao suicídio. No caso do homicídio, são previstas circunstâncias atenuantes para a diminuição de pena, como motivo de relevância moral ou social”. Quanto ao prolongamento da vida por meios artificiais, o Conselho Federal de Medicina já aprovou resolução prevendo a suspensão ou limitação do tratamento quando há vontade expressa do paciente ou de seu representante legal.

Fonte: G1

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