Músicos e humoristas relatam dificuldades com limitação do funcionamento de bares e restaurantes
De 3 fevereiro até amanhã (17), está em vigor o decreto estadual que limita o funcionamento de bares e restaurantes em Fortaleza até, no máximo, 20h. De segunda a sexta, os estabelecimentos podem abrir de 6 às 20h. E nos fins de semana, o horário permitido é de 6 às 15h. O governador Camilo Santana anunciou a medida, alegando necessidade de uma política mais rígida de prevenção da Covid-19. Segundo a plataforma IntegraSUS, todas as cidades cearenses estão, atualmente, com risco de contaminação considerado “moderado” a “altíssimo”.
Para a classe artística, a medida afetou a retomada dos trabalhos no espaço dos bares e restaurantes. A partir de meados do ano passado, quando o setor de eventos passou a ser liberado pelo poder público, gradativamente, os artistas vinham ocupando os espaços de alimentação fora do lar para gerar renda e aliviar a crise diante das dificuldades da categoria com a pandemia.
Ao Diário do Nordeste, músicos que trabalham na noite e humoristas relataram suas dificuldades com a vigência do novo decreto. “Em relação aos trabalhos, realmente a situação piorou muito. Foram cancelados até os eventos feitos por duas pessoas (dois músicos na ativa), em horários mais simples. Acho que gerou um certo receio em todos os contratantes. Então todos os trabalhos de apresentação que eu tinha foram cancelados”, conta o músico Fábio Amaral (42).
Segundo ele, a saída foi seguir realizando trabalhos com gravações. “Mas sem novas procuras, desde então”, detalha. “E uma das salvações foram os projetos da Lei Aldir Blanc (lei emergencial de auxílio à cadeia produtiva da cultura, nº 14017/2020), do Sesc, das secretarias de cultura, que geram alguma renda ainda para os artistas fazendo lives, aulas online”, especifica Fábio.
Também atuante em restaurantes e bares da cidade, Daniel Cobaia (40) observa que a situação de saúde pública é muito séria e requer todos os cuidados, mas se preocupa com a fase de instabilidade para ele e aos colegas de profissão.“Puxando rápido pela memória, lembro de pelo menos 10 amigos próximos que morreram por essa doença. Isso me ajuda a entender quão séria é a situação. Mas também vejo colegas passando fome, literalmente”, lamenta Daniel.
“Além da renda reduzida a zero, as contas não param de chegar, os impostos continuam sendo cobrados, itens básicos quase dobrando de valor”, questiona o músico, que reclama mais ajuda por parte do poder público.
Eficácia
Fábio Amaral chama atenção para a eficácia da medida. Para o músico, caso a sociedade civil fosse se reorganizar para realmente evitar aglomerações, a solução teria de se aproximar ao que foi feito no período de “lockdown” (isolamento social rígido, adotado em Fortaleza em maio de 2020).
“Não acredito que a medida evite 100% a formação de aglomeração. Se 100 pessoas precisam ir num lugar, se elas têm um horário estendido, há maior chance de não se aglomerarem. Em horário reduzido, todos vão se reunir ao mesmo tempo. Só que a pressão da população e dos empresários não permitiria isso (um novo lockdown)”, analisa Fábio.
O artista lembra que as medidas também são preventivas e, para ele, só a vacinação terá poder de superar o prejuízo provocado pelo contágio de março de 2020 até cá. “Não teria outra saída. A vacina tem de ser mais efetiva e aceita. Como músico e artista, acredito que nossa classe é uma das mais prejudicadas desde o começo da pandemia”, observa.
Humor
Para Luciano Lopes (47), humorista que interpreta a personagem Luana do Crato, o cenário para os profissionais do humor é preocupante e ele não vislumbra, ainda, uma forma de sair do momento difícil.
“As apresentações virtuais, no início, deram uma aliviada, mas com o tempo vimos que a necessidade de sobrevivência chegou para todos e cada vez mais os artistas foram esquecidos. Os auxílios do poder público não atenderam as necessidades básicas de alguns de nós. E até este momento nos deparamos com dinheiro da Lei Aldir Blanc sem repasse para os artistas”, questiona Luciano.
O humorista acrescenta que toda uma cadeia produtiva está fragilizada. Ele lembra como o setor não remunera só artistas: há toda uma equipe de técnicos atuando nos bastidores, e cada um com suas famílias. “Não existe uma conversa franca com os artistas, pessoal de eventos, recreadores e produtores. Os responsáveis pela cultura não viabilizam os recursos, e quando isso acontece, é burocrático ao extremo”, esclarece Luciano.
O veterano Lailtinho Brega (53) produz os shows humorísticos da Arena Beira-Mar Grill (Meireles), onde também há serviço de restaurante. O espaço tem programação diária de humor e, atualmente, tem promovido apresentações de 18h30 às 20h. Com a limitação de horário, a perda de público, conta o humorista, é flagrante.
“Não tem fluxo. A gente está numa situação muito delicada. Desemprega artista, técnico de som, panfleteiros, os garçons. Mas a gente ainda sente a necessidade de fazer o espetáculo, porque além dos cearenses, tem muito turista que vai. As pessoas precisam rir: elas estão tensas, bloqueadas”, alerta Lailtinho.
Para ele, a restrição é necessária por conta da formação de aglomerações. Mas pondera que a classe não pode parar, mesmo porque o riso, observa o comediante, é uma das saídas para aliviar a saúde mental da população em tempos de tanta dificuldade. “A Covid é um negócio muito, muito sério. E a gente também tenta, de todas as formas, educar as pessoas, como cidadão e como artista. Mas a gente toca o barco e acha importante a manutenção do trabalho dos comediantes. Sorriso é saúde mental”, reflete.
Fonte: Diário do Nordeste