Terreiro de matriz afro-indígena reage após Prefeitura de Sobral decidir doar terreno para Igreja
Espaço utilizado para cultos de umbanda, jurema sagrada, druidismo e até wicca já foi alvo de ataques físicos
A doação de um terreno público para a construção de um novo templo da Igreja Católica tem gerado polêmica em Sobral, na região Norte do Ceará. Isso porque, há quase 10 anos, o espaço natural rodeado de áreas verdes já é utilizado por membros de religiões de matriz africana e indígena, que veem indícios de intolerância religiosa na condução do processo.
No dia 21 de agosto, o prefeito de Sobral, Oscar Rodrigues, encaminhou à Câmara Municipal o Projeto de Lei que autoriza a doação de um terreno pertencente ao município à Diocese de Sobral. O objetivo é a implantação do Santuário da Divina Misericórdia e de um Centro de Pastoral e Promoção Humana.
O imóvel, localizado no bairro Antônio Carlos Belchior, tem mais de 18 mil m². Conforme a mensagem do prefeito, o projeto tem caráter “não apenas religioso, mas também social e comunitário”, prevendo a realização de programas voltados para a assistência de pessoas em situação de vulnerabilidade.
A Comissão Permanente de Finanças, Justiça e Redação da Câmara Municipal de Sobral já deu parecer favorável à matéria, na última sexta-feira (12). Agora, o projeto aguarda análise e votação dos vereadores em sessão ordinária, prevista para esta segunda-feira (15).
No entanto, frequentadores do Espaço de Cultura Ancestral de Sobral e parte da comunidade do bairro iniciaram uma mobilização de resposta. Segundo eles, como a gestão municipal não se dispôs a dialogar sobre alternativas à doação, decidiram protocolar uma notícia de fato ao Ministério Público do Ceará (MPCE).
A peça descreve que os povos de terreiro utilizam o terreno de mata ciliar – vegetação que recobre e acompanha as margens de rios e suas nascentes – há cerca de 10 anos para rituais de Umbanda e Jurema Sagrada, para os quais “essa mata e córrego são seu templo sagrado”.
Membro da comunidade, Antonio Alancardé lembra que o terreiro é utilizado por religiões que têm “como base a natureza como divindade sagrada” desde 2016, e foi consagrado pelos Povos de Terreiros de Raiz Afrodescendente e Indígena, em 2020.
O espaço de congregação já foi alvo de dois ataques físicos: em setembro de 2022 e em junho de 2023. Nas duas ocasiões, estátuas e altares foram destruídos, assim como plantas foram arrancadas.
“Meu sentimento é de indignação porque vivemos em um país laico em que, em pleno século 21, ainda acontece esse tipo de massacre com as outras religiões”, desabafa Alancardé.
Apesar das investidas violentas, os cultos e giras continuam acontecendo normalmente. “Nos mantemos firmes porque nossos ancestrais nos ensinam até hoje que é na resistência que existe o poder de mudança”, afirma.
No Brasil, a pena para quem pratica ato de intolerância religiosa foi aumentada em 2023 com sanção da Lei 14.532, que equipara injúria racial ao crime de racismo e protege a liberdade religiosa.
A penalidade varia de 2 a 5 anos de prisão, além de multa, para quem para quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas. É a mesma pena prevista para o crime de racismo, que é inafiançável e imprescritível.
FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE