Queimadas em Sobral: Impactos ambientais e à saúde geram alerta
Com a chegada do período mais seco do ano, o número de queimadas em Sobral volta a crescer e preocupa autoridades e especialistas. Além de comprometer o meio ambiente e a agricultura local, o fogo afeta diretamente a saúde da população, sobretudo nas regiões mais atingidas pela fumaça. Nos últimos meses, a frequência de queimadas alertou os olhares de todos, tanto na zona rural e urbana do município, além de regiões vizinhas, que de um certo modo, também interfere na cidade de Sobral. O aumento das ocorrências acende um alerta sobre a falta de políticas efetivas de combate, pois, a medida em que as chamas se espalham, cresce também a preocupação com a saúde, o sustento e o cotidiano de quem vive na cidade.
De acordo com a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) as queimadas deixaram “cicatrizes profundas” que se estendem por mais de 1.800 km², só no estado do Ceará, entre 2020 e 2024. As análises, que foram feitas baseadas em imagens de satélites e da plataforma Google Darth Engine (GEE), apresentam que os incêndios florestais e queimadas ainda seguem sendo um dos principais problemas ambientais para o bioma da Caatinga. O relatório identifica que, entre os anos que foram examinados, 2023 foi o mais crítico, com aproximadamente 1.881,79 Km² de área queimada, e cita os municípios com maiores extensões de devastação, entre eles, Sobral, que está em terceiro lugar, com 28,01 Km² de área queimada, ficando atrás apenas de Santa Quitéria (32,65% km²) e Jaguaribe (28,52 Km²). Diante desse cenário alarmante, a atenção contínua e integração entre ciência, comunidade e gestão ambiental se torna um fator importante e preciso para reduzir e controlar esses danos que afetam o meio ambiente e toda a população.
Linha de frente: Corpo de Bombeiros de Sobral:
Quem sente o impacto direto das queimadas são os bombeiros, que estão a frente desses incidentes. Segundo Cleumárcio Sousa, Subtenente do Corpo de Bombeiros de Sobral, o número de ocorrências teve uma leve redução, mas ainda permanece preocupante. Só em 2025, até o mês de novembro, foram registrados 59 focos de incêndio, comparado ao número de 2024, que foram identificados 77 casos, em todo o ano, ou seja, um percentual de -23,38% entre os dois anos, aproximadamente.
O militar explica que, além da alta demanda, o combate ao fogo é dificultado por fatores como o vento forte e o acesso limitado a algumas áreas. “Às vezes, o principal desafio não é nem combater o fogo em si, mas sim, chegar até o local. Às vezes é um lugar muito íngreme, e nós não conseguimos ir até o foco sem precisar de algum equipamento especial, como abafadores, capuzes balaclavas e até mesmo machados e foices. E como Sobral é uma cidade muito quente, o calor também é um fator que intensifica muito a queimada. Por isso que preferimos ir no final do dia, pois, além de estar, de uma certa forma, mais acessível, é mais fácil de identificar o fogo, coisa que, se for feita, por exemplo, durante o dia, fica um pouco mais difícil”.
O subtenente ressalta que as principais causas dos incêndios em Sobral não estão apenas relacionadas a fatores naturais ou à negligência, mas, em muitos casos, à falta de conhecimento e informação da população. Ele explica que, entre os meses de junho e dezembro, é o período com maior número de ocorrências, já que muitos agricultores e proprietários de terras realizam a “limpeza” de seus terrenos nessa época.
Quando o fogo atinge o solo: impactos na agricultura e no meio ambiente:
As consequências das queimadas vão muito além da fumaça. Para Ana Vitória Araújo, Engenheira Agrônoma e Mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Ceará (UFC), o fogo causa danos profundos ao solo, prejudicando a fertilidade e comprometendo a produção agrícola.
“As queimadas provocam alterações químicas, físicas e biológicas no solo, assim, mudam muito o solo e acabam prejudicando a agricultura. Quando o fogo passa, ele queima a matéria orgânica — que é o que deixa o solo vivo e fértil — e faz muitos nutrientes importantes evaporarem. No começo, as cinzas até deixam o solo mais rico e menos ácido, mas isso dura pouco. Com o tempo, o solo fica pobre, duro e seco, perde a capacidade de reter água e os pequenos animais e microrganismos do solo que ajudam nas plantações morrem. Isso faz as colheitas diminuírem e obriga o (a) agricultor (a) a gastar mais com adubos e correções. Ou seja, o fogo pode parecer ajudar no início, mas no fim deixa a terra fraca e menos produtiva” relata a engenheira.
Ela afirma que, para o solo se recuperar desses danos, leva muito tempo, até mesmo, questão de anos; “De forma geral, até 2 anos há uma recuperação inicial. Até 5 anos, há uma recuperação parcial, onde o solo ainda tem restos de cinzas e começa a recompor parte de sua vegetação. A regeneração completa depende do tipo do solo, e é importante salientar que isso só é possível se o local for bem manejado e não sofrer novas queimadas”.
Ana Vitória acrescenta que a adubação orgânica, rotação de culturas, plantio direto, e é claro, a educação ambiental, são as principais práticas sustentáveis que ajudam a manter e recuperar a fertilidade do solo, sem o uso do fogo.
Os riscos à saúde da população:
Além dos danos ambientais, as queimadas têm reflexos diretos na saúde. A médica Mariana Bezerra, especialista em Alergologia (especialidade médica que se dedica ao diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças alérgicas e imunológicas), afirma que o prejuízo à saúde humana não se restringe apenas ao sistema respiratório. Por ser extremamente tóxica, o contato com a fumaça pode afetar diversas áreas do corpo, e causar até mesmo doenças graves e mortes prematuras: “Muita gente acha que queimada só vai dar alguma alteração no sentido da parte respiratória. Que vai piorar muito a questão de asma, questão de bronquite, como as pessoas falam. Mas a fumaça pode trazer problemas para nariz, voltados para a pele, porque é um poluente. A poluição não vai atingir só a parte respiratória, ela pode atingir outros órgãos, principalmente de contato. Se você já é um paciente que tenha doenças respiratórias, você tem que estar com tratamento em dia, precisa estar com a medicação em dia ou ter um plano de ação para quando tiver a crise. Isso vai auxiliar também bastante. Então teve falta de ar, ficou com a boca a roxa e ficou cansado, pálido, teve muita febre… É a hora de procurar o atendimento médico.”
A situação fica mais delicada principalmente para cidadãos que moram próximo aos locais com mais frequência de incêndio (geralmente em áreas com matagais). Isso porque, a inalação da fumaça de incêndios florestais contém partículas finas (MP 2.5) e grossas (MP 10), monóxido de carbono e outros gases tóxicos, que podem causar irritação nos olhos e nas vias respiratórias, intensificando sinais e sintomas, principalmente em indivíduos que já possuem asma, bronquite ou outras doenças pulmonares. Além disso, com a exposição à fumaça, essas partículas e gases que são prejudiciais à saúde, podem também aumentar o risco de condições cardiovasculares, tais como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral. O problema se torna ainda mais preocupante para crianças e idosos, que fazem parte do grupo mais vulnerável aos efeitos da fumaça. Nesses casos, o sistema respiratório tende a ser mais sensível, o que aumenta as chances de crises alérgicas, falta de ar e agravamento de doenças pré-existentes. Diante disso, alguns cuidados são recomendados para que todos possam se proteger desses riscos. O ministério da saúde adverte: evitar a exposição prolongada à fumaça, manter janelas fechadas em dias de queimadas, reforçar a hidratação, usar máscaras de proteção quando necessário e procurar atendimento médico ao surgirem sintomas como tosse persistente, irritação nos olhos ou dificuldade para respirar.
O combate às queimadas em Sobral exige não apenas a atuação dos órgãos públicos, mas também a conscientização da população. Evitar o uso do fogo, denunciar focos de incêndio e adotar práticas sustentáveis são passos essenciais para reduzir os impactos desse problema que, ano após ano, ameaça o meio ambiente e a qualidade de vida na região. Enquanto autoridades intensificam ações de prevenção e fiscalização, especialistas reforçam que a participação popular é determinante para conter o avanço das queimadas.
Em caso de queimadas ou focos de incêndio, a população pode acionar o Corpo de Bombeiros pelo número 193 ou 36774663, ou entrar em contato com a Agência Municipal do Meio Ambiente (AMA) de Sobral pelo Instagram @amasobraloficial, pelo número (88) 9 81513459, ou através do e-mail: ama@sobral.ce.gov.br.
O desafio é grande, mas a mobilização coletiva pode transformar a realidade ambiental de Sobral.
Por Djalma Ribeiro

