‘Não estamos no mesmo barco’: 3,5 milhões de cearenses vivem com, no máximo, R$ 178 por mês

A água foi cortada, em tempos de lavar as mãos com frequência. A renda foi zerada, logo quando comer encareceu. O teto é “de favor”, assim como o alimento, pedido de porta em porta. “E vou passando como Deus quer”, conforma-se Luciene Barros, 57, uma das cearenses vivendo em extrema pobreza na Capital.

Enquanto muitos podem gastar R$ 89 em uma refeição, 3,1 milhões de cearenses precisam viver o mês inteiro com isso. Ou menos. Ou nada.

Eles compõem o 1,1 milhão de famílias que amargavam a situação de pobreza extrema no Estado, em abril de 2021. É o pior cenário desde 2012, primeiro ano da série histórica divulgada no painel de dados abertos do Ministério da Cidadania.

Somando a essas as famílias em situação de pobreza não extrema, que têm renda de R$ 89,01 a R$ 178, o número sobe para 1.228.037 lares cearenses: 55.213 a mais do que em fevereiro de 2020, período anterior à pandemia.

É o maior número de domicílios do Ceará nestas condições desde junho de 2015. Os dados são baseados nos registros do Cadastro Único (CadÚnico), por meio do qual cearenses recebem o Bolsa Família, por exemplo.

 

Luciene Barros mora em um bairro periférico de Fortaleza com os filhos e dois netos (de 4 e 6 anos de idade)
Legenda: Luciene Barros mora em um bairro periférico de Fortaleza com os filhos e dois netos (de 4 e 6 anos de idade)
Foto: Thiago Gadelha

 

“NÃO TENHO VERGONHA DE PEDIR”

Para Luciene, que mora num bairro periférico de Fortaleza com os filhos e dois netos (de 4 e 6 anos de idade), “a vida piorou” com a chegada da Covid, e não apenas pelos óbvios riscos sanitários e pelo isolamento. Em relação aos mais abastados, conclui: “não estamos no mesmo barco”.

 

Antes eu conseguia ir na minha irmã, em outro bairro, pegar alguma ajuda. Agora, nem isso. Comida eu peço nas casas por aí. Não tenho vergonha.

LUCIENE BARROS
57 anos, desempregada

 

Com os poucos reais que surgem de “bicos” dos filhos, “compra um ovinho, uma mortadelinha, e come. Porque não tem dinheiro pra estar comprando tempero”. Os biscoitos pedidos pelos netos, claro, não chegam. “Eles aperreiam, porque não entendem”, ela explica.

ASSISTÊNCIA INSUFICIENTE

A quantidade crescente de beneficiários do Bolsa Família, aliás, indica uma necessidade urgente de assistência. Em fevereiro de 2020, cerca de 1 milhão de famílias cearenses receberam o pagamento, número que subiu para 1.105.467 na folha de maio de 2021.

Comparando esse ao quantitativo de lares pobres ou extremamente pobres do Ceará, é como se 122.570 deles estivessem descobertos pela política pública de transferência de renda.

Reportagem Diário do Nordeste