Escola é considerada um dos locais mais violentos em área da periferia de Fortaleza, diz pesquisa

O estudo analisou a percepção do público de 14 a 24 anos sobre a segurança onde mora, e como a violência repercute na vida educacional nas escolas públicas de ensino médio.

A escola foi considerada um dos locais mais violentos por estudantes que participaram de uma pesquisa feita em uma área da periferia de Fortaleza. O estudo analisou a percepção de adolescentes e jovens de 14 a 24 anos sobre a segurança nos bairros onde moram, na região do Grande Bom Jardim, e como a violência no local repercute na vida educacional nas escolas públicas de ensino médio.

A escola é percebida como o terceiro lugar em que mais foram reportadas a ocorrência de violências, ficando atrás das opções “bairro” e muito próximo à frequência registrada para “outros locais”; logo após vem a opção “rua”. Os dados foram apresentados no primeiro relatório da pesquisa intitulada “Violência no Grande Bom Jardim sob a perspectiva de estudantes de escolas públicas de ensino médio: vitimização, percepções sobre segurança e repercussões educacionais”.

O Grande Bom Jardim é um território da periferia sudoeste de Fortaleza, formado por cinco bairros oficiais (Bom Jardim, Canindezinho, Granja Lisboa, Granja Portugal e Siqueira) e uma população estimada de 220 mil habitantes. Em termos populacionais, esse território representa 8,33% da população da capital.

O estudo foi realizado com 497 alunos de 12 escolas públicas de ensino médio do Grande Bom Jardim, que por meio de questionários aplicados em setembro de 2022 forneceram dados acerca da percepção da violência sobre discentes considerando a variedade de marcadores sociais, como idade, raça, gênero e orientação sexual.

Para metade dos estudantes que participaram da pesquisa, a violência atrapalha o ambiente escolar. As respostas analisadas revelam o comprometimento de um ambiente de paz e o medo é indicado por 65,5% como impeditivo para as condições emocionais adequadas para aprendizagem.

Além disso, cerca de oito de cada dez participantes consideram o bairro como inseguro ou totalmente inseguro, sendo que 62,2% afirmam já ter visto pessoas armadas, e quase 46% aponta que a própria circulação pelo bairro já foi afetada pela ação de grupos armados.

A investigação buscou entender a vitimização dos estudantes, a forma como eles percebem a segurança na região, bem como as repercussões da violência em suas vidas educacionais.

Ambiente ambíguo

“A escola é um espaço com certa ambiguidade na percepção de segurança, pois apesar de mais da metade dos respondentes indicarem como um local seguro, mais de três em cada dez a consideraram insegura. Portanto, para uma parcela considerável, há um sinal da dificuldade de acesso à escola tanto pela sensação de insegurança no percurso como na permanência no espaço escolar”, analisou João Paulo Pereira Barros, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e um dos coordenadores da pesquisa.

O relatório observou ainda que é fundamental que as violências sejam pautadas em discussões dentro do ambiente escolar, já que é baixo o número de alunos que busca o apoio da escola para enfrentá-las.

“Três quartos dos participantes indicaram que a escola não promove discussões a respeito das questões relacionadas à segurança; e de oito em cada dez afirmaram que o núcleo escolar não fomenta ações que de alguma maneira propiciem um direcionamento para lidar com a violência vivenciada pelos estudantes”, destacou João Paulo.

Outros dados do primeiro relatório:

  • As violências mais frequentes que os estudantes sofreram foram assalto (18,31%), violência sexual (17,5%) e furto (14,69%).
  • Entre sete e oito em cada dez estudantes (74,9%) consideram os serviços de segurança em seus bairros insuficientes ou totalmente insuficientes e 84,5% afirmam terem presenciado, ao menos ocasionalmente, tiroteios, sendo destacável o quantitativo considerável de 21,53% daqueles que presenciaram “muitas vezes”.
  • As ações mais comumente realizadas, pelo menos algumas poucas vezes, para se proteger da violência foram as de evitar andar por certas áreas do bairro (83,91%), evitar andar sozinho (80,69%), deixar de sair à noite (72,23%), ir de uber para casa (70,82%) e evitar áreas devido a pessoas armadas (69,01%).
  • As mulheres cis sofreram quase duas vezes mais ameaças que os homens cis e outras identidades de gênero, quase três vezes mais.
  • Três em cada dez mulheres cis e quatro em cada dez pessoas com outras identidades de gênero indicam ter sofrido violência sexual. “Para comparação: esses grupos apresentaram de cinco a sete vezes mais frequência de ocorrências em comparação aos homens cis. Mulheres cis também foram as principais vítimas de tentativa de homicídio”, detalha o coordenador da pesquisa.
  • Estudantes identificados com a raça/cor preta sofreram uma frequência um pouco maior do que as demais raças/cores para assalto, agressão, violência sexual e tentativa de homicídio.
  • Em geral, adolescentes e jovens não heterossexuais sofrem cerca de duas vezes mais assaltos, furtos, ameaças e agressões do que heterossexuais e, aproximadamente, três vezes mais tentativas de homicídio e violências sexuais.
  • Os espaços de segurança apontados foram, principalmente, a casa, mas também a igreja, o trabalho e os projetos sociais, para aqueles que os frequentam. Enquanto o principal espaço percebido como inseguro foi o bairro, como um território mais amplo, mas também o caminho para a escola e a rua.

Uso dos dados da pesquisa

Os pesquisadores acreditam que os resultados podem colaborar na compreensão dos efeitos psicossociais da violência no Grande Bom Jardim e contribuir para o fortalecimento de aspectos protetivos que garantam a permanência dos jovens na escola. Além disso, podem ser úteis para a prevenção e construção de indicadores para monitoramento, bem como exigir a atuação direcionada e urgente do Poder Público.

“Os resultados dessa investigação podem subsidiar futuras práticas de prevenção de violência, redes de proteção social e promoção de direitos humanos no contexto escolar e no território de vida das juventudes”, garante João Paulo.

A pesquisa foi Promovida pelo Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza (CDVHS) em cooperação com Grupo de Pesquisa Violência, Exclusão Social e Subjetivação da Universidade Federal do Ceará (VIESES-UFC) e apoio do Laboratório de Estudos da Violência (LEV-UFC).

 

Fonte: G1 Ceará