A meta parecia ousada: produzir açaí no clima local em quantidade suficiente para abastecer o Ceará e ainda exportar o produto e seus derivados. Pouco a pouco, no entanto, produtores cearenses mostram que a realidade do Estado pode favorecer o cultivo de um fruto tradicionalmente associado à cultura nortista, por se tratar de uma palmeira que exige grande disponibilidade de água.
Uma dessas produtoras é Ana Paula Silva, agricultora e empresária de Ibiapina, na Serra da Ibiapaba. Desde 2014, ela toca a Meu Suco, empresa que produz polpas de frutas variadas, mas havia um problema: um dos terrenos agrícolas estava alagado, o que dificultava o cultivo de vegetais.
Até que uma visita ao Pará mudou a perspectiva da produtora: “Quando cheguei lá, via que tinha açaí na parte alagada desenvolvendo bem, apesar de ser extrativismo. Resolvi trazer as mudas de lá para secar o meu terreno. Não secou, mas organizou a área”.
Cultivo do açaí no Ceará tem safra a cada três semanas
O açaí foi um dos temas centrais do Coalizão Agro Ibiapaba, evento realizado em Guaraciaba do Norte, na Serra da Ibiapaba, e que reuniu produtores e especialistas no agronegócio cearense.
O acaso, para Ana Paula Silva, foi decisivo para que ela pudesse plantar o açaí. Segundo a agricultora, o fruto “colocou a água em fluxo, e tudo o que era de matéria orgânica, o açaí filtrou”.
“Preservou ainda mais a região, que era nascente, deu uma secada no terreno. Hoje, quatro anos e meio depois, consegui ver os frutos”, relata a empresária.
As mudas de açaí foram plantadas por Ana Paula em uma área de quatro hectares em 2020. Quatro anos depois, no início de 2024, os primeiros frutos começaram a ser colhidos.
Atualmente, a empresária afirma que, entre 20 e 25 dias, tira uma safra do açaizeiro. Em cada um dos quatro hectares, são retiradas de 15 a 18 caixas com 33 quilogramas (kg) cada de açaí.
A situação é bem parecida com a produção em Paracuru, na Região Metropolitana de Fortaleza. Lá, Alberto Félix, diretor da Agropar, mostra que a cidade tem pioneirismo no cultivo do açaí no Ceará.
“A cada 25 dias, o açaí solta um cacho, tem pelo menos uma safra por mês. Produzimos em torno de cinco toneladas, e estamos atendendo somente ao mercado local”, explica.
“O açaí, com certeza, é uma oportunidade para o Ceará. É consumido praticamente no mundo todo. O Ceará tem um diferencial: produzimos, diferentemente do Pará, o ano todo também. Aqui não é extrativismo, fazemos a produção irrigada. Começamos o projeto com cinco hectares próprios, mas estamos expandindo para terceiros e áreas próprias.” – Alberto Félix, Diretor da Agropar Fazenda de Açaí.
Como está a produção de açaí no Ceará?
Dados da Produção Agrícola Municipal de 2024 (PAM), pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o cultivo de açaí no Ceará começou a ser contabilizado a partir de 2022.
Naquele ano, a produção era em seis municípios e somou 475 toneladas. Em 2023, aumentou para sete municípios, produzindo 671 toneladas, com a safra em Paracuru batendo o recorde de 300 toneladas.
O município da Grande Fortaleza é, até hoje, o maior produtor de açaí do Ceará. Em 2024, foram 216 toneladas produzidas, seguido de perto por Limoeiro do Norte, no Vale do Jaguaribe, com 170 toneladas colhidas.
A produção de açaí no Ceará se concentra em dez municípios, sendo a Serra da Ibiapaba a com maior número de representantes: quatro no total. Ao todo, no ano passado, Ibiapina, Tianguá, Ubajara e Viçosa do Ceará produziram 183 toneladas.
Em 2024, o território cearense produziu 609 toneladas de açaí. Ao todo, 15 estados produzem o fruto. O Ceará é o nono maior produtor nacional e o terceiro de seis estados do Nordeste que produzem a fruta, correspondente a apenas 0,03% da produção nacional.
“Muitos produtores me procuram interessados em mudas de açaí. É um fruto que demora um pouco para dar retorno, mas tem um valor agregado bom. É uma produção que produz por mais ou menos 25 anos e dá muitos frutos”, pontua.
Com menos de dois anos como empresária do ramo de açaí, Ana Paula já estuda expandir a marca. Em uma feira de frutas na Espanha, a agricultora conseguiu exportar as polpas das frutas – e também o açaí liofilizado, que é a fruta desidratada em pó.
“Tem um ano e meio que venho estudando sobre a internacionalização do produto e conseguimos realizar a primeira exportação de polpa de fruta e açaí (para a Europa)”, comemora.
Ramificar a cadeia produtiva no Ceará e nos estados vizinhos
Alberto Félix celebra a expansão da cadeia produtiva do açaí no Ceará, mas acredita que é preciso expandir para além da Grande Fortaleza, da Serra da Ibiapaba e do Vale do Jaguaribe.
“A ideia é comercializar mudas em todo o Ceará: Serra da Ibiapaba, Apodi e Cariri, para atender não só o Ceará, como os estados vizinhos”, projeta.
O diretor da Agropar evidencia que a Serra da Ibiapaba tem vantagem competitiva em relação aos outros cultivos agrícolas cearenses, em especial de frutas, como morango e maracujá, para dividir espaço com o açaí.
“Temos a vantagem (na Serra da Ibiapaba) de já ser uma área produtiva do Ceará, e podemos aproveitar o açaí para fazer o consórcio com os outras culturas que já existem. Vamos aproveitar a mesma água e potencializar o que já tem na região”, avalia.
Para o secretário-executivo do agronegócio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Ceará (SDE), Sílvio Carlos Ribeiro, o açaí está inserido em um contexto de demanda crescente por frutas, legumes e verduras (FLV) produzidos no Estado, alavancando a cadeia produtiva agrícola cearense.
“São atividades agrícolas que têm a necessidade de comercializar rapidamente, mas são culturas muito demandadas, tanto pela Grande Fortaleza quanto pelo Piauí. Isso facilita muito o escoamento da produção. Praticamente metade do FLV consumido no Ceará vem de fora, e precisamos cada vez mais desses produtos. Acreditamos não só nas culturas já produzidas aqui, como em novas culturas, como mirtilo, avocado e açaí”, define.
Fonte: Diário do Nordeste
 
			 
				
 
											