Amotinados no interior agem sob orientação de líderes políticos
A meia-noite de quinta para sexta-feira foi a tentativa de “virar o jogo” para os policiais amotinados em Sobral: era a tomada do Batalhão do Raio e da Coordenadoria Integrada de Operações Aéreas (Ciopaer), o mesmo local em que, 12 horas antes, Cid Gomes era retirado em uma ambulância para um helicóptero rumo a Fortaleza. Os tiros contra o senador em sua cidade natal e a consequente repercussão foram um banho de água fria na tomada do 3º BPM em Sobral na noite de quarta-feira (19). A coisa “pegou mal” entre os manifestantes, não tanto pelos tiros, segundo eles, que alegaram “legítima defesa à injusta agressão” – sendo esta a invasão com trator para cima do quartel – mas porque tinham certeza de que haveria uma retomada. “É melhor sair e reorganizar do que ser preso”, admitiu um PM.
A falta de consenso já tinha começado horas antes, quando da orientação de fechar o comércio em Sobral. “Isso aí foram ovelhas desgarradas, atitude de uns dois ou três”, afirma o vereador Sargento Ailton. Imagens, no entanto, mostram que não havia menos de nove encapuzados em três viaturas. Isto é quase metade do total de amotinados no Batalhão do Raio às 7h de ontem, horário em que tivemos autorização para entrar na ocupação.
Procedimento
Já circulava na madrugada imagens da “tomada do Batalhão do Raio”. Internamente, militares admitiram que em 2011/2012, anos da última greve dos PMs, igual procedimento ocorreu. Mas na época não tinha WhatsApp nos celulares. Para construir a própria narrativa, os militares filmam as adesões para demonstrar força, mesmo quando a realidade é menos favorável do que parece na cidade que se dividiu entre tiros e um trator.
-Sargento, tem um rapaz no portão.
-Veja lá e me diz.
O rapaz trazia sacos com garrafas com água. O controle da entrada no Batalhão é feito por pelo menos dois homens. Um buraco de 15 centímetros de diâmetro no portão de trilhos garante que se veja qualquer veículo que surja na rua sem saída. Um dos poucos sem balaclava, Ailton, sargento e vereador, assume o posto de articulação local. Não sai do celular. “Não param de chegar mensagens”, comenta. Militares amotinados confirmam que ele faz a linha direta com Capitão Wagner, deputado Noélio e Sargento Reginauro, dentre outras lideranças. Pelo celular, informam-se não apenas sobre como estão as negociações, mas até mesmo o próximo passo. Ocupar o BPRaio foi um deles.
Assumidamente um articulador no protesto local, Sargento Ailton não esconde a Satisfação do ato de resistência em Sobral, pós-atentado. “É simbólico tomar o Batalhão do Raio e Ciopaer”, justifica para alguém do outro lado da linha. A maioria dos ocupantes é do Policiamento Ostensivo Geral (POG), mas, pela manhã, começam a chegar alguns do Raio.
Jovens
São jovens, com 20 anos ou pouco mais. A maioria vestia preto, mesma cor dos óculos, bonés e balaclavas que usam para não ser identificados e punidos. “A Constituição veda que a gente busca direitos como trabalhadores. Usamos por isso, não somos bandidos”, enfatiza um dos amotinados que aceita gravar entrevista, buscando fazer distinção dos “bandidos”, embora estes também se encapuzem para não ser identificados. E segue: “a gente só quer anistia e o reajuste da inflação”.
Acham melhor cortar essa parte da fala, pra não ficar diferente do que pense o Capitão Wagner – até ali não havia qualquer receio de admitir que o homem que senta à mesa de negociação com o Governo do Estado é um dos que, “em defesa da nossa categoria”, orienta também o motim. Por volta de 9 horas, aparecem esposas e namoradas dos amotinados. Já chegam sabendo que vão passar o restante do dia, por isso trazem alguns mantimentos para o grupo. Outros chegam com demais policiais. Numa mesa, várias mochilas. Noutra, três garrafas de café e cinco sacos de pão. Na cozinha, garrafas d’água na geladeira, uma pia e um fogão onde completam o café com ovos mexidos.
No pátio, acompanham pelos telejornais a repercussão dos atos no Estado. Reclamam quando o âncora da TV usa uma expressão que não lhes agrada, como dizer que invadiram o quartel ou furaram pneus. Mas evitam comentar quando imagens mostram os manifestantes agindo de forma truculenta contra uma viatura da Polícia Civil.
A conta de viaturas com pneus esvaziados vai aumentando aos poucos quando chegam mais PMs para aderir. Não muitos. Alguns começam a ficar apreensivos porque esperavam que houvesse mais. E seguem as convocações pelo celular. O vereador Sargento Ailton grava um vídeo com o celular, encerrando com os amotinados ao fundo em coro: “vem, vem, vem”. Tentam que a mensagem chegue a mais soldados, em parte desistentes das paralisações desde o episódio com Cid Gomes.
Por volta de 8h30, militares conversam sobre apreensão de que as forças policiais queiram retomar o Batalhão, algo que talvez não fosse muito difícil se soubessem que não havia muito mais de 20 homens aquartelados. “Passou um carro ali e ficou olhando”, disse um amotinado, suspeitando que estão sendo vigiados.
“Acho que já está bom, né”, um soldado diz para o vereador Sargento Ailton sobre nossa presença. Fomos bem tratados, mas a avaliação foi de que já estava na hora de sair. “É um pessoal jovem, cabeças diferentes, então é delicado”, explica o vereador sobre os soldados, uma hora antes de ser comunicado que a sua situação no partido Solidariedade estava insustentável. “É inadmissível que um membro de nosso partido participe de ações que obriguem comerciantes a fecharem suas portas e acabe em um senador baleado”, diz o partido em nota. “Me fizeram um favor”, diz o vereador, agora sem partido.
Já em número maior que 40, os amotinados vão passar a primeira noite no Batalhão do Raio em Sobral. Aguardando de seus líderes políticos o próximo passo.
Matéria de Camila Lima (Diário do Nordeste)