‘Aquele número é meu filho’: mães falam de suas crianças mortas por covid

Alegre. Fortinho. Cabelos pretos, cacheados. Comunicava-se com o olhar. Três anos e três meses recebendo muito dengo. Alan, o Touro Valente, é como Vanessa Falcão, 32, chama o filho. No primeiro dia de 2021, quando o país contabilizava 7.698.862 casos de coronavírus desde o início da pandemia, Alan foi internado.

No dia 16 de janeiro do ano passado, o país registrava 1.059 mortes pela covid-19, cinco delas em Maceió. Foi neste dia, num sábado de manhã, que Alan morreu. Até então, pesquisas indicavam que crianças corriam um risco relativamente baixo de desenvolver casos graves da doença, mas a realidade é muito mais trágica entre as fileiras de túmulos. “Quando vejo as reportagens com muitos dados sobre crianças, penso: ‘aquele número ali é meu filho’, desabafa Vanessa, na mesma semana em que o presidente Jair Bolsonaro afirmou desconhecer casos de crianças mortas por covid.

“Números não são capazes de atravessar algumas barreiras, eles não entram no nosso coração do mesmo jeito que as histórias”, observa Edson Pavoni, idealizador do Inumeráveis Memorial.

Larissa exibe tatuagens em memória do filho - Cristiano Borges/UOL - Cristiano Borges/UOL

Alan tinha uma doença rara: síndrome de West. Professora do ensino infantil, Vanessa abandonou o trabalho para dedicar-se ao filho que lutou pela vida desde que nasceu: a criança passou por 13 pneumonias, mas, segundo ela, quando sua frágil e pequena mão apertava com coragem o indicador de Vanessa, tudo se renovava.

Com dois anos, o menino precisou de oxigênio. Vanessa organizou uma campanha e, em dois dias, conseguiu o valor para adquirir o aparelho do filho cujo nome foi escolhido para homenagear o pai, Alaniel. Juntos, eles também são pais de Tales, 7. Bombeiro, Alaniel segue em atividade enquanto Vanessa avalia retomar uma rotina que faça sentido para ela e para Tales. Os olhos voltam a brilhar quando fala de uma possível missão relacionada à educação especial.

“É muito difícil olhar pra casa e não vê-lo aqui”, diz Vanessa. A mãe acha importante falar sobre o luto. “É algo de que ninguém quer falar”, diz ao TAB. Em busca de conforto, procura vídeos e palestras que falem dessa dor nas redes. E escreve cartas para o filho. Um trecho delas diz “Sua vida não foi um contratempo e sim cheia de tempo, intensidade e eternidade”.

A polêmica da vacina Quase um ano após a morte de Alan, o Ministério da Saúde incluiu crianças entre 5 e 11 anos no plano nacional de imunização contra a doença sem a exigência de prescrição médica. O anúncio, feito na quarta-feira (4), ocorreu três semanas após a Anvisa liberar a vacina para o público infantil — e em meio à pressão da opinião pública, de especialistas e do público geral. Um cenário relativamente parecido com o de janeiro de 2021.

“A vacina sendo liberada para as crianças, sobretudo para aquelas com comorbidades, é um alívio para as famílias que tanto esperaram”, diz Vanessa após tomar conhecimento da decisão. Ela acredita na ciência e lamenta a quantidade de desinformação que circula sobre a vacina. “Fico triste, mas acredito que todos os pais vão vacinar seus filhos”.

A imunização de crianças já ocorre em diversos países. Nos Estados Unidos, as vacinas de reforço para crianças de 12 a 15 anos foram recentemente autorizadas. Especialistas defendem que a vacinação desse grupo é estratégica para combater a pandemia. Entre eles está o ex-ministro da Saúde, o oncologista Nelson Teich. “A primeira coisa que temos que tomar cuidado é não comparar número de óbitos entre crianças com óbitos entre adultos. A mortalidade sempre será maior entre adultos do que entre crianças, dando a falsa sensação de que é menos importante do que deveria ser. Tem que comparar criança com criança e adulto com adulto”, explicou no Instagram.

Contrariando os comentários abundantes na internet que minimizam números de mortes de crianças por covid, é difícil identificar uma família enlutada e disposta a falar. Informações médicas são sensíveis e confidenciais — os dados fornecidos não incluem informações pessoais e nem são encontrados em hospitais ou fornecidos por órgãos do Estado.

Vale registrar que, entre os dias 11 de dezembro e 5 de janeiro, problemas no e-SUS Notifica, ferramenta online de registro dos casos de covid do Ministério da Saúde, impactaram a atualização dos casos no Brasil inteiro.

Esperança

Em Goiânia, Larissa mostrou-se aliviada com a notícia de que a maioria das pessoas no Brasil se manifestou contra a exigência de prescrição médica para a imunização das crianças. Em Maceió, a mãe de Alan aguarda para vacinar Tales, de sete anos, o filho mais velho. “Uma esperança”, diz.

Com informações: UOL

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