Casal gay denuncia homofobia após juízes de paz se recusarem a realizar casamento no Ceará
Wallison Cavalcante e Bruno Dantas tentam se casar desde janeiro, em Redenção, no interior do estado. No entanto, relatam barreiras no cartório do município.
“O que era para ser um sonho está virando pesadelo”. É assim que Wallison Cavalcante e Bruno Dantas resumem os últimos sete meses. Desde janeiro, o casal tenta casar em Redenção, no interior do Ceará, mas recebe apenas recusas dos três juízes de paz que trabalham no cartório na cidade. O casal acredita que as negativas estão baseadas em homofobia.
Wallison disse que entrou em contato com o Cartório Norões Brito, em busca de informações sobre o casamento, e já recebeu mensagens negativas pelo celular. Então, ele decidiu ir presencialmente ao local para buscar mais detalhes (veja mais abaixo o que diz o responsável pelo cartório).
“Ela [funcionária do cartório] falou que não, que não fariam casamento, que eles não fariam porque os juízes de paz não aceitavam fazer, que a gente não era as primeiras pessoas que iam lá querer casar e eles falavam a mesma coisa, que não casavam”, disse o jovem cozinheiro, de 28 anos.
“A gente tá se sentindo impotente, a gente tá muito triste, porque uma coisa que a gente queria que tivesse resolvido logo, mas estamos passando por tudo isso, essa turbulência e complicação. Quero muito realizar esse sonho, mas está me deixando muito triste, muito pra baixo em relação a isso, que eu vejo que eles não estão fazendo nada pra resolver”, lamentou Wallison.
O g1 questionou o Tribunal de Justiça sobre o caso. Em nota, o órgão disse que “a celebração de casamentos em cartórios é de responsabilidade de juízes de paz, que são cidadãos voluntários que exercem atividades sem caráter jurisdicional. Quando há escusa de consciência, é designado outro juiz de paz para celebrar a união”.
A escusa de consciência é quando o funcionário apresenta motivos para ser dispensado de obrigações jurídicas, usando argumentos pessoais como, por exemplo, a própria religião.
“No caso específico, o Juízo da 2ª Vara da Comarca de Redenção solicitou, junto à Seção de Gestão dos Auxiliares do TJCE, a nomeação de outro juiz de paz para que a celebração seja realizada”, complementou o TJCE.
Walisson abriu um boletim de ocorrência sobre o caso. Em nota, a Secretaria da Segurança Pública disse que a Polícia Civil apura uma denúncia de preconceito de raça ou cor – conduta homofóbica. A Delegacia Municipal de Redenção orientou às vítimas a comparecerem à unidade policial para repassar mais informações.
O que diz a lei?
Os casamentos homoafetivos não são regulamentados em lei no Brasil. A base jurídica para a oficialização dessas relações é uma decisão do STF de 2011. Os ministros decidiram que um artigo do Código Civil deveria ser interpretado para garantir o reconhecimento de uniões entre pessoas do mesmo sexo. A decisão também considerou essas relações como entidades familiares.
Dois anos depois, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou resolução para obrigar a celebração de casamentos homoafetivos em cartórios.
O que diz o responsável pelo cartório?
O tabelião responsável pelo Cartório Norões Brito, Renan Moreira, confirmou ao g1 que os três juízes de paz da unidade alegaram “escusa de consciência religiosa”, mas disse que “o cartório não possui nenhuma ingerência, poder de gestão ou vínculo com os juízes de paz que são vinculados ao Tribunal de Justiça”.
Moreira falou ainda que solicitou ao Tribunal de Justiça a mudança da lista tríplice da unidade ou a nomeação de um novo juiz de paz para a realização do casamento. “Meu desejo enquanto oficial delegatário e responsável pela serventia é a de que este e todo e qualquer casamento possa ser realizado, sem distinção de qualquer natureza”, declarou o tabelião.
“Assim, foram tomadas todas as providências que estão ao meu alcance e dentro da legalidade que rege a atividade registral pelo que aguardo as providências do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará para que seja possível a realização do ato”, complementou.