Além do “papel central” do deputado federal Junior Mano (PSB) no esquema de desvio de emendas parlamentares, as investigações da Polícia Federal (PF) revelaram que o grupo criou uma espécie de “pedágio” — ou “imposto” — sobre os recursos públicos enviados às prefeituras. Na prática, esses valores eram desviados para irrigar os cofres da organização criminosa.
Essas informações aparecem na decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e serviram para embasar a autorização do magistrado para a operação Underhand, deflagrada pela PF na manhã da última terça-feira (8).
Ao todo, os agentes cumpriram 15 mandados de busca e apreensão em Fortaleza, Nova Russas, Eusébio, Canindé e Baixio, no Ceará. Eles também foram a endereços do parlamentar em Brasília.
De acordo com a PF, as provas colhidas até agora apontam, “com clareza, a participação central do deputado federal Junior Mano como figura estruturante de uma organização criminosa voltada à utilização indevida de recursos públicos e à manipulação de processos eleitorais em diversas cidades cearenses”. Além da atuação política, o parlamentar é considerado pelos investigadores como um “operador ativo da engrenagem criminosa”.
O Diário do Nordeste teve acesso à decisão do ministro e revela detalhes do caso.
O “PEDÁGIO” DAS EMENDAS
Nas investigações, a PF cita mensagens trocadas entre Carlos Alberto Queiroz, conhecido como Bebeto, prefeito eleito e foragido de Choró, e um assessor de Junior Mano identificado como “Adriano”, que os agentes dizem ser Adriano Almeida Bezerra.
As conversas tratavam sobre a autorização para a destinação de emendas parlamentares não apenas de Junior Mano, mas também de outros parlamentares, “mediante exigência de retorno financeiro na ordem de 12%”. O valor seria um “imposto ou pedágio” cobrado pelo grupo criminoso às prefeituras cooptadas. No esquema, a emenda era destinada ao município e uma parcela era desviada. “Uma prática institucionalizada de corrupção”, apontam as investigações.
Segundo a PF, o grupo liderado por Junior Mano era informado “em tempo real” sobre a liberação de recursos e a expectativa de retorno do “pedágio” a ser desviado pelos prefeitos. Havia ainda conversas com referências expressas sobre o uso dos recursos para compra de apoio político, financiamento oculto de campanhas e pagamento de influenciadores e jornalistas.
As provas obtidas pela PF confirmam informações repassadas pela ex-prefeita de Canindé, Maria do Rozário Ximenes, que denunciou o esquema. À época, ela revelou que foi procurada pelo “grupo do Junior Mano e Bebeto” com a proposta de repasse de emendas condicionada à devolução de 15%.
Em janeiro deste ano, o Diário do Nordeste revelou que Júnior Mano era investigado pela PF devido ao suposto envolvimento num esquema de manipulação eleitoral que teria atuado em 51 municípios do Ceará em 2024. Na ocasião, o deputado federal era apontado como tendo um “papel central” na destinação de emendas parlamentares para uso ilegal dos recursos.
ALÉM DE EMENDAS, GRUPO DESVIAVA OUTROS RECURSOS
O assessor de Junior Mano identificado como Adriano Almeida Bezerra aparece em diversos trechos da investigação. Ele ocuparia uma “posição estratégica” no grupo, sendo responsável por intermediar tecnicamente e politicamente as operações e liberações de recursos, segundo a PF.
Em uma das conversas obtidas pelas investigações, Adriano é consultado por um gestor municipal, em 26 de setembro de 2024, sobre a viabilidade de liberação de R$ 1,5 milhão, dos quais 12% seriam desviados como propina.
“Adriano responde de forma afirmativa e objetiva. ‘Pronto. Arrocha’”, cita a PF.
Ainda conforme as investigações, os indícios apontam que “o grupo se utilizava de mecanismos paralelos e legalmente disponíveis de fomento federal para reproduzir a lógica de retorno ilícito e beneficiamento de empresas de fachada, com possível envolvimento de servidores e gestores nos processos de habilitação e execução contratual”, conclui.
CERCO CONTRA A CORRUPÇÃO
Além dos mandados de busca e apreensão, o ministro Gilmar Mendes determinou o bloqueio de R$ 54,6 milhões em contas bancárias de pessoas físicas e jurídicas investigadas. A PF argumenta que a medida deve interromper a movimentação de valores de origem ilícita e preservar ativos para eventual reparação ao erário.
Os alvos são investigados pelos crimes de organização criminosa, captação ilícita de sufrágio, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica com finalidade eleitoral.
O QUE DIZ JUNIOR MANO
Em nota, a assessoria do político afirma que ele não tem participação em processos licitatórios, ordenação de despesas ou fiscalização de contratos administrativos.
“Como parlamentar, o deputado não exerce qualquer função executiva ou administrativa em prefeituras, não participa de comissões de licitação, ordenação de despesas ou fiscalização de contratos administrativos”.
O comunicado ainda diz que Júnior confia nas instituições, em especial no Judiciário e na PF, e reitera “o compromisso com a legalidade, a transparência e o exercício probo da função pública”.
Por fim, afirma que o parlamentar tem plena convicção de que “a verdade dos fatos prevalecerá, com o completo esclarecimento das circunstâncias e o reconhecimento de sua correção de conduta”.
Ainda em dezembro, Bebeto se posicionou nas redes sociais dizendo ter recebido com serenidade a informação que ele era investigado e disse ser inocente com relação aos fatos investigados. Ele está foragido da Justiça.
Fonte: Diário do Nordeste