De traficantes a vítimas de bala perdida: 90% das mortes violentas no Ceará têm relação com facções

A abrangente existência das facções criminosas no Ceará, hoje reconhecida pelas autoridades, é determinante para o número de mortes violentas no Estado. Em entrevista exclusiva concedida ao Diário do Nordeste, o secretário da Segurança Pública, Sandro Caron, fala que “90% dos homicídios aqui no Estado têm como motivação o envolvimento de pessoas em facções criminosas, no crime organizado e tráfico de drogas”.

O percentual engloba além das vítimas envolvidas diretamente no ‘mundo do crime’. O secretário explica que “nem toda vítima de homicídio tem envolvimento com facção”, mas, muitas vezes, “é alguém que está em um tiroteio e é vitimado, algum parente de quem compõe o crime organizado”. São vítimas que “estavam no local errado e na hora errada”.

Nos últimos quatro anos, foram registrados quase 15 mil Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLIs), no Ceará. Agora, os índices estão em queda constante. De acordo com edição do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgada nessa semana, de 2018 a 2021, houve diminuição de quase 30% nos assassinatos.

Sandro Caron considera que a redução é devido a um trabalho coletivo para enfraquecer o crime organizado: “se enfraquece prendendo as principais lideranças, como aconteceu aqui e reprimindo o tráfico de drogas, cortando a principal fonte de renda do crime organizado”.

CONTROLE DOS TERRITÓRIOS

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, edição especial eleições, rememora o cenário violento da última década. “Desde o início dos anos 2010, o Ceará enfrentava elevações significativas nos crimes violentos, alternadas com reduções intermitentes, sem lograr êxitos expressivos. Um dos fatores que mais contribuíram para esta situação foi a atuação simultânea das três maiores facções do Brasil”, trazem os pesquisadores.

“Na periferia do Ceará, estar livre não quer dizer o mesmo que ser livre. Você pode estudar, trabalhar e ter uma família bem estabelecida. E, mesmo assim, não ser livre o suficiente para atravessar uma rua, frequentar uma escola ou ir para um posto de saúde. Isso acontece se você mora em um bairro dominado por uma facção e precisa se dirigir a um bairro dominado por outra facção”

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA

Os estudiosos consideram que, nos últimos anos, variáveis como dinâmicas sociais e ações governamentais propiciaram o “arrefecimento da letalidade no contexto cearense”. Jania Perla, pesquisadora do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e colaboradora da pesquisa do Fórum, destaca que os números da violência ainda são altos, mas indicam um futuro promissor.

“Tem o trabalho da Polícia, mas tem também a relação com a dinâmica do crime. As facções se tornam menos letais depois de anos, depois de guerras incessantes. Nessas disputas, ainda tem o elemento emocional. Há casos de vingança, mortes por cobrança de clientes inadimplentes com o tráfico. As variáveis são muitas”, aborda Jania.

Segundo o balanço, o Ceará caiu da terceira para a quarta posição nos índices de letalidade, no ano passado. Sandro Caron reconhece que o trabalho precisa ser contínuo e que depende das demais forças, como o Judiciário.

“O crime organizado tem como característica sempre tentar se reinventar. Quando se prende liderança, outros tentam ascender. É um trabalho de um dia de cada vez, um trabalho contínuo. A Polícia não pode baixar o ritmo nunca. É natural aumentando repressão em um local, eles irem para outro”, afirma o secretário.