Depois de 114 anos desaparecida, espécie de periquito ameaçado retorna à área de Caatinga

Periquito-cara-suja é considerado o psitacídeo mais em risco de extinção no Brasil.

Após mais de um século sem registros da espécie na região do Planalto da Ibiapaba, entre os municípios de Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI), 18 exemplares do ameaçado periquito-cara-suja (Pyrrhura griseipectus) foram reintroduzidos na Reserva Natural Serra das Almas (RNSA), no Ceará, na madrugada desta quinta-feira (12).

De acordo com Fábio Nunes, biólogo da Aquasis, o retorno da espécie ao seu habitat natural é considerado um marco histórico e ecológico, e simboliza uma reparação ambiental e uma vitória para a conservação da biodiversidade brasileira.

“A reintrodução do periquito-cara-suja pode gerar diversos impactos positivos, como incentivar a conservação no entorno da reserva, fomentar o turismo ecológico e abrir caminho para a reintrodução de outras espécies no futuro”.
A Reserva Natural Serra das Almas já se tornou um refúgio para espécies que retornaram naturalmente, como a paca, o tatu-bola e o guariba-da-caatinga. No entanto, espécies localmente extintas pela ação humana, como o cara-suja, as emas e as araras, necessitam de intervenções diretas para que possam voltar ao seu habitat.

Os periquitos-cara-suja foram soltos na Reserva Natural Serra das Almas (RNSA), uma das áreas de maior relevância para a conservação ambiental no Ceará — Foto: Samuel Portela

A iniciativa faz parte do projeto Refaunar Arvorar, desenvolvido pelo Parque Arvorar, do Beach Park, em parceria com as ONGs Associação Caatinga e Aquasis, que já reintroduziu outras aves, como a jandaia-verdadeira (Aratinga jandaya). A ação também integra o Plano de Ação Nacional para Conservação das Aves da Caatinga, liderado pelo Ministério do Meio Ambiente, que busca proteger espécies nativas em risco.

Critérios de seleção e preparo para a reintrodução

 

Antes da reintrodução, os 18 periquitos passaram por avaliações conduzidas por biólogos, veterinários e zootecnistas para garantir sua saúde e adaptação ao ambiente.

Retorno da espécie ao seu habitat natural é considerado um marco histórico e ecológico — Foto: Roni Vasconcelos

Os indivíduos foram selecionados com base em critérios utilizados na soltura realizada na Serra da Aratanha, em 2022, o que inclui:

Pertencerem a grupos familiares de vida livre, garantindo coesão social e melhor adaptação ao ambiente;
Estarem habituados ao uso de caixas-ninho para dormir, facilitando o manejo;
Já terem sido previamente treinados para utilizar comedouros, o que contribui para o processo de aclimatação e soltura gradual.
“Esses processos são essenciais para garantir a sobrevivência dos animais no habitat natural e minimizar riscos, como predadores e doenças”, explica.

As aves passaram cinco meses em recintos de aclimatação dentro da reserva, um período essencial para que se familiarizassem com o ambiente, criassem identificação com o local e fortalecessem os laços do grupo familiar. Esse preparo aumenta as chances de permanência na área e a sobrevivência após a soltura.

“Esse tempo é crucial para o primeiro grupo, pois ajuda a consolidar a área como habitat. Para futuras solturas, o tempo de aclimatação será reduzido, já que os próximos bandos terão a referência do grupo pioneiro”, reforça Fábio.
Outros três periquitos, apreendidos pelo IBAMA e acolhidos no Parque Arvorar, serão translocados para a reserva, onde passarão por um período de aclimatação antes de serem soltos definitivamente.

Serra das Almas: refúgio para a biodiversidade
Os periquitos-cara-suja foram soltos na Reserva Natural Serra das Almas (RNSA), uma das áreas de maior relevância para a conservação ambiental no Ceará.

A reserva, localizada entre os municípios de Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI), possui 6.285 hectares de vegetação preservada e é reconhecida pela UNESCO como o primeiro Posto Avançado da Biosfera no estado.

Reserva Natural Serra das Almas (RNSA) fica localizada entre os municípios de Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI) — Foto: Fernanda Machado/TG

Além de abrigar espécies ameaçadas de extinção, como o próprio periquito-cara-suja, a Serra das Almas desempenha um papel crucial na manutenção de serviços ecossistêmicos, como a proteção de nascentes e a preservação do bioma caatinga.

Arvorar: ciência e educação para a conservação
O parque temático Arvorar, inaugurado no último dia 6, tem como principal foco a educação e a conservação ambiental. Além de abrigar projetos como o Refaunar Arvorar, o espaço promove atividades voltadas para o engajamento comunitário e a conscientização sobre a importância da fauna e flora locais.

Parque Arvorar tem como principal foco a educação e a conservação ambiental — Foto: Arnaldo Dantas

Com a soltura dos periquitos-cara-suja, o projeto reforça sua missão de resgatar espécies ameaçadas e contribuir para a recuperação do equilíbrio ecológico da caatinga. A iniciativa promete inspirar novas ações de conservação no Brasil e no mundo.

Fonte: G1 Ce