Folha de São Paulo destaca exoneração de diretores escolares de Sobral “Como destruir um legado educacional em poucos passos”
Sobral, no Ceará, é um exemplo global em educação. Suas políticas públicas estruturantes elevaram o município cearense a patamares de excelência, sendo um modelo estudado por educadores e pesquisadores do Brasil e do mundo.
Como diz o ditado, em time que está ganhando não se mexe, certo? Mas parece que essa lógica não convence a nova gestão do município, que decidiu trocar todos os times de gestão das escolas municipais. O prefeito Oscar Rodrigues (União Brasil) exonerou, na última terça-feira (7), todos os diretores e suas equipes de coordenação das escolas da rede municipal. A medida ocorre às vésperas do início do ano letivo.
Trocas de equipes são comuns com mudanças de governo. Não surpreende que o novo prefeito traga pessoas de sua confiança para assumir pastas do governo e formar novas equipes em cargos comissionados. Estas trocas podem ser necessárias no processo político, mas já há evidências de que elas trazem prejuízos para o aprendizado dos estudantes. Em especial no caso de Sobral, a demissão em massa de gestores escolares gera surpresa, pois compromete diretamente um dos principais pilares da revolução educacional do município.
Desde 2004, Sobral regulamentou por lei o uso de critérios técnicos para a seleção dos gestores escolares. A partir de então, é realizada avaliação de conhecimentos específicos para selecionar diretores de acordo com suas habilidades gerenciais e de liderança. O uso de critérios técnicos para a seleção de diretores e coordenadores escolares, em detrimento do uso de critérios políticos, permite que os cargos estejam menos suscetíveis a interesses partidários que podem levar a escolhas inadequadas para a escola.
Além do aperfeiçoamento do processo de seleção de diretores, outras mudanças estruturantes contribuíram para o sucesso educacional de Sobral.
Políticas bem estruturadas de formação continuada para diretores e professores foram peças fundamentais na construção desse legado. O município também regulamentou um regime de autonomia pedagógica e administrativa da gestão das escolas públicas da rede municipal de ensino.
Nesse regime, a função dos diretores vai além da administração burocrática e prestação de contas para a Secretaria de Educação. Os diretores das escolas sobralenses devem gerir os recursos financeiros e assumem o papel de liderança pedagógica, sendo responsáveis por selecionar a equipe de coordenação pedagógica dentre os candidatos aprovados no processo seletivo.
Não foi repentinamente que Sobral alcançou o topo dos rankings nacionais. Sobral está entre as redes com melhores índices em diversos indicadores educacionais, como o percentual de crianças alfabetizadas na idade certa e o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Tudo isso sem ser uma rede com abundância de recursos financeiros. Resultados assim só são possíveis com políticas consistentes e de longo prazo, que resistam a mudanças políticas momentâneas.
A decisão de substituir gestores que haviam sido escolhidos por mérito ignora os alicerces de um sistema bem-sucedido e ameaça a sustentabilidade de um modelo educacional que levou anos para ser construído. Se a gestão municipal já está começando assim, o que vem a seguir para a educação de Sobral?
Reportagem da jornalista Priscilla Bacalhau
(Doutora em economia, consultora de impacto social e pesquisadora do FGV EESP CLEAR, que auxilia os governos do Brasil e da África lusófona na agenda de monitoramento e avaliação de políticas)