Governador do Ceará enviará à Assembleia projeto para incluir bíblias em todas as escolas públicas

Medida será realizada ainda neste ano e, segundo ele, irá contemplar livros sagrados de diferentes religiões

O governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), prometeu enviar, ainda neste ano, uma mensagem à Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), com proposta de disponibilização de bíblias em todas as escolas públicas da rede estadual. O gestor acrescentou que livros sagrados de outras religiões serão contemplados e admitiu que, embora o tema tenha surgido em agosto deste ano, ele decidiu esperar o fim da campanha eleitoral para retomar a ideia.

Elmano confirmou ao Diário do Nordeste o envio do projeto, em entrevista, durante na segunda-feira (11). O conteúdo completo dos assuntos tratados com o chefe do Executivo estadual será publicado na quinta-feira (14).

“O que eu defendia e continuo a defender é que é razoável que a biblioteca da escola tenha a Bíblia, como pode ter o Alcorão ou livros de outra religião. Para os jovens que estão na escola de ensino médio, é razoável que ele queira ler José de Alencar e tenha na biblioteca, assim como é razoável que o jovem possa abrir a Bíblia”, explica.

O governador falou sobre a compra e distribuição de bíblias nas escolas durante a abertura do 3° Congresso Ceará Pentecostal, em agosto deste ano. Na ocasião, o deputado estadual Apóstolo Luiz Henrique (Republicanos) citou o Projeto de Indicação (PI) Nº71/2022 para a criação da temática “Bíblia nas escolas”.

No entanto, a intenção de Elmano é apenas disponibilizar livros religiosos nas bibliotecas das escolas da rede estadual sendo, na compreensão do governador, a religião cristã a mais representativa. Isso não está atrelado, por exemplo, a uma disciplina.

“Não é obrigar ninguém a ler nada, nem doutrinar ninguém a nada. Temos que entender que nós somos líderes e governantes de um povo que não vive na Lua, nós somos lideranças do povo brasileiro e o povo cearense, 95% dele, é cristão”, reforça Elmano. O Ceará tem 755 escolas com 398 mil alunos matriculados.

Eu confesso que eu não consigo compreender uma pessoa que acha que a biblioteca de uma escola pode ter livros do José de Alencar, de Machado de Assis, do Aluizio de Azevedo, da Rachel de Queiroz e não pode ter a Bíblia.
Elmano de Freitas

Governador do Ceará

Essa compra e distribuição de livros como a Bíblia, Alcorão (livro sagrado do islamismo) e Torá (livro sagrado do judaísmo) – dentre as obras sacras citadas pelo governador – deve acontecer com recursos públicos.

Após o anúncio em agosto, os deputados estaduais debateram o assunto e alguns representantes questionaram a laicidade do Estado. No dia 14 daquele mês, o Projeto de Indicação foi aprovado.

“Eu não consigo compreender o motivo da polêmica, eu não estou falando que o ensino religioso será obrigatório na escola, não. É só ter o livro. Então, eu vou mandar um projeto de lei, mas quero fazê-lo sem, digamos assim, as malícias que a eleição provoca”

Elmano analisa ainda que os livros serão adquiridos de acordo com “o percentual de crença que o povo cearense tem”. Conforme o Censo Demográfico de 2010, 78% da população cearense era católica e outro estudo do IBGE aponta que os evangélicos eram 14,36%. Ainda não há dados atualizados do Censo Demográfico de 2022.

PROJETO DE INDICAÇÃO

O Projeto de Indicação (PI) Nº71/2022, de autoria do Apóstolo Luiz Henrique (Republicanos), dispõe sobre a inclusão da temática “Bíblia nas escolas” como tema para compor a grade curricular das escolas públicas. O texto dispõe de quatro artigos:

  • Art. 1º – Fica incluída a temática “BÍBLIA NAS ESCOLAS” como tema transversal na grade curricular das escolas da rede pública mantidas pelo Governo do Estado do Ceará.
  • Art. 2° – A temática poderá ser ministrada por meio de aulas, seminários, palestras ou semanas culturais, abordando conteúdos sobre o Antigo e o Novo Testamento e a influência da Bíblia na literatura, cultura e história do mundo.
  • Art. 3º – A temática terá matrícula facultativa.
  • Art. 4º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Após análise dos deputados, foi acrescentado um artigo indicando que “as escolas públicas da rede estadual de ensino contarão, no acervo de suas bibliotecas, com exemplar de livros ou textos sagrados de religiões praticadas no País”.

Na justificativa do Projeto de Indicação, o autor aponta que a “Bíblia cristã e judaica constituem documentos históricos, difundidos na sociedade e que podem auxiliar na formação humana, filosófica e social dos cidadãos”.

Por isso, conforme a análise, a proposta tem o objetivo de agregar de forma transversal os temas trazidos nos livros que compõem a bíblia cristã como instrumento para a abordagem de temas como história, filosofia, cultura, geografia, política e saúde.

Não há definição do que é uma “temática” e quais atividades escolares devem ser realizadas a partir da aprovação. O texto, porém, indica que a proposta não traz o “ensino religioso propriamente dito”.

O Projeto de Indicação também cita outras legislações que, por exemplo, incluem a Libras como disciplina obrigatória e a temática da “vacinação” como tema transversal na grade curricular das escolas públicas mantidas pelo Estado do Ceará.

CASO DE OBRIGATORIEDADE

O Supremo Tribunal Federal (STF) já manifestou entendimento sobre um caso de obrigatoriedade da Bíblia em escolas e bibliotecas públicas do Mato Grosso do Sul como sendo algo inconstitucional, em 2021.

Diferente do que acontece no Ceará, o Mato Grosso do Sul pretendia tornar obrigatória a manutenção de exemplares da Bíblia nas escolas da rede estadual de ensino e nas bibliotecas públicas com orçamento público.

A Lei estadual 2.902/2004 previa a manutenção de exemplares da Bíblia, tanto de edição católica quanto evangélica, em local visível e de fácil acesso, sem restrição ou impedimento para a manutenção, nos acervos públicos, de livros sagrados de outras comunidades religiosas.

Contudo, por unanimidade de votos, o Plenário do STF julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5256 e declarou inconstitucionais dispositivos da lei. Conforme a relatora da ação, ministra Rosa Weber, a lei estadual desprestigiou as demais denominações religiosas e os que não professam nenhuma crença.

Fonte: Diário do Nordeste