Irmã de Belchior critica publicação de Jotabê Medeiros

O lançamento do livro “Belchior – apenas um rapaz latino-americano”, do jornalista Jotabê Medeiros, no dia 1º deste mês, reabre a discussão em torno do tema das biografias não autorizadas. Pelo menos é o que deixa transparecer nas entrelinhas a “Nota de esclarecimento aos fãs e amigos de Belchior”, assinada pela socióloga Ângela Belchior, irmã do cantor – morto em 30 de abril deste ano -, e o advogado da família, Estêvão Zizi.
A publicação foi enviada a veículos de comunicação de todo o País, explica Ângela, que escreve a quatro mãos a nova biografia sobre a vida do compositor de “Paralelas”.
Conforme os autores, o livro foi pensado ainda em 1976, por ocasião do show “Falso Brilhante”, de Elis Regina, e se chamará “Vida e obra da fama ao exílio – quero lhe contar tudo o que aconteceu comigo”.
Estêvão Zizi afirma que a obra está em fase de conclusão e terá 300 páginas, devendo ser lançada no início de 2018 ou no aniversário do cantor sobralense, em 27 de outubro. A nota é dirigida ao jornalista Jotabê Medeiros, uma vez que questiona informações contidas na sua recém lançada obra.
Para Ângela Belchior, uma biografia deve ser responsável. “Ele fala de minha mãe. Chega. Não aguento mais sensacionalismo. Não conheceu Belchior e publica um livro sobre ele. Um absurdo”, desabafa.
Alegando desconhecer a nota, o biógrafo diz não que quer polemizar com a família, demonstrando respeito e carinho por todos. No entanto, assegura que descreveu o artista “com as qualidades e incoerências também. Estão querendo canonizar Belchior”, defende-se.
O jornalista afirmou que Ângela demonstra contrariedade com a biografia, compreendendo o momento de luto pelo qual a família passa.
“Mas, se quer escrever uma biografia sobre o irmão e contar a história a sua maneira é um direito dela. Belchior tinha 70 anos e ninguém escreveu um livro sobre ele. Acho que merece. É um artista universal e estou ansioso para ler”.

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Belchior: biografia escrita por sua irmã deve sair em 2018 ( Foto: Cleo velleda/ Folhapress )

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Quanto ao questionamento acerca das fontes, o autor revela que foi a todos os lugares que julgava necessários – para fazer um trabalho que ele diz ter ficado “bonito”. “Meu livro está entre os 10 mais vendidos no País”, reforça. Jotabê adianta que, no dia 5 de outubro, a obra será lançada no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC), em evento seguido de debate e show.
A nota começa esclarecendo, em primeiro lugar, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que permite a publicação de biografias mesmo sem autorização da família ou do biografado.
“Só que alguns critérios devem ser respeitados, como veracidade e não ofender as pessoas”, alerta Estêvão Zizi, autor de vários livros sobre Direito, em especial de defesa do consumidor e romances.
“Eventuais abusos por parte dos biógrafos, como relato de fatos inverídicos ou ofensas à honra ou à imagem das pessoas biografadas, poderão levar a medidas de reparação, como indenizações, que terão de ser definidas pelo Judiciário”, escreve o advogado.
Verdade
A justificativa para a publicação da nota foi devido ao recebimento “de centenas de e-mails e telefonemas de pessoas questionando dados inseridos nessa biografia que não condizem com a verdade, levando os leitores a pensarem que partiu de minha autoria”, defende-se Ângela.
Ela diz ter lido e relido o livro em questão, assim como os irmãos e demais familiares. “Assim, com propriedade, listo os erros que diretamente atinge não só a memória de Belchior, bem como da família Fontenele Gomes Belchior”.
Ela rebate, por exemplo, a informação de que Belchior teria sido um “aluno medíocre, como dá entender o jornalista”. Outro ponto questionado, remete à época em que o cantor estudava Medicina, na Universidade Federal do Ceará (UFC) e teria rasgado uma prova e dito para o professor que não precisava disso.
O professor teria passado a tratar seu irmão como “aluno medíocre”.
Na nota, Ângela põe em questão a assertiva presente na orelha do livro, de que Belchior brincou de gato e rato com a imprensa. “Meu irmão não estava fugindo de ninguém. Se o ‘biógrafo’ fosse menos afoito com suas vendas e fama, teria esquadrinhado a verdade que está sob investigação desde seu falecimento e, talvez, deixasse de tecer louvores aos supostos ‘fieis escudeiros’ que cita em sua biografia”, comenta.
Também descredencia o fato de que tenha pedido a Ciro Gomes para realizar o sonho de seu irmão. Até as condições da família de Belchior são motivos de discórdia.
“Cascata”
A irmã do compositor também ressente-se muito quando o autor fala da mãe do poeta. “Na página 24, o biógrafo conta ‘hoje é muito comum encontrar relatos sobre o seu passado…Ex-cantador de feira, repentista….Filho ou sobrinho de músicos….Tudo cascata. Mãe que cantava em coral de igreja? Essa era uma histórica típica da mitologia…'”
Ângela recomenda o autor conhecer Sobral e falar com alguns amigos de Belchior e com as Filhas de Maria, onde a mãe fazia parte do Coral da Igreja desde moça”.
“O autor escreveu uma matéria jornalística e não uma biografia. Faltam referências e o livro apresenta erros elementares”, critica Estêvão Zizi, que esteve com Belchior em 2011. Disse que a família cogita tirar o livro do mercado. “Eles estão ofendidos”, argumenta, completando que Belchior “nunca foi panfletário”, como sugerido no livro
Homenagem
Ainda em vida, o poeta ganhou homenagem de um grupo de escritores cearenses, materializada no livro “Para Belchior com amor”, organizado pelo escritor e jornalista Ricardo Kelmer.
Os textos contam histórias a partir das letras do compositor, fazendo com que a obra passe distante do polêmico tema biografia não autorizada. “Nosso caso é diferente mesmo. As informações biográficas eram apenas ligadas à obra e carreira artística. Interessava suas ideias e sua filosofia e não detalhes específicos sobre sua vida. Por isso não conversamos com a família”, reitera.
Após um mês da morte de Belchior, Ricardo Kelmer conta que encontrou Edna Assunção de Araújo, sua companheira, e recebeu com satisfação a notícia de que ele tinha lido e adorado o livro.
Tanto pela qualidade dos textos quanto pela abordagem – ou seja, não tocaram em sua vida particular. “Ele tinha plano de nos procurar para traduzir o livro para o espanhol, porque tinha fãs nos países da América do Sul”, relata o escritor, que prefere pesquisar a obra e o pensamento do artista, deixando outros aspectos aos biógrafos.
Kelmer pondera que “erros em algumas informações acontecem durante o processo de realização das biografias. Isso é comum e compreensível, podendo ser corrigido em uma nova biografia”. Como fã, confessa esperar com alegria o livro que está sendo preparado por Ângela e Estêvão.

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