Medo, retorno à ‘vida remota’ e incertezas: cearenses no RN contam rotina após 10 dias de ataques
A onda de violência já registra mais de 300 ações criminosas orquestradas por uma facção em, pelo menos, 56 cidades potiguares
O ataques ocorrem em diversas cidades desde o dia 14 de março. – Foto: Alessandro Imperial/AFP. – Com informações do G1 CE.
Queima de veículos, explosões, investidas contra prédios públicos e privados, ataques a postos de combustíveis e a bases da Polícia Militar. O cenário no Rio Grande do Norte é de caos há 10 dias. Já são mais de 300 ações criminosas orquestradas por uma facção em, pelo menos, 56 cidades potiguares.
Em meio à onda de violência, cearenses que moram no estado vizinho relatam apreensões e incertezas. Diante das restrições de circulação nas ruas, muitos tiveram que retornar, sem prazo determinado, à rotina vivenciada recentemente devido à pandemia: a execução de atividades de modo completamente remoto.
A Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Norte, na quarta-feira (22), afirmou que os ataques estão recuando. No 8º dia seguido de atentados, incêndios a ônibus e carros ocorreram na Região Metropolitana de Natal, em cidades como Canguaretama e Caraúbas.
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Segundo o Governo do Estado, a Polícia Militar e a Força Nacional já prendeu 168 suspeitos de envolvimento nos ataques e apreendeu 42 armas de fogo, 139 artefatos explosivos e 31 galões de combustível.
Conforme o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN), as motivações dos ataques estão ligadas à insatisfação dos detentos com a ausência de ações de benefícios, inclusive visitas íntimas – iniciativas que não estão previstas na Lei de Execuções Penais.
ROTINA ALTERADA E ‘RECOLHIMENTO’
“O comprometimento já está recuando e estamos começando a voltar pouco a pouco ao estado anterior. Mas, na semana passada estava em estado de sítio. Tudo parado”, relata o jornalista Higo Lima, que nasceu em Russas, no Ceará, e há 12 anos mora em Mossoró.
A cidade potiguar é a segunda maior do Rio Grande do Norte e no município um galpão de reciclagem, uma base desativada da polícia, um escritório da companhia de água e esgoto e veículos particulares foram alvos de ataques.
Com localização estratégica entre Natal e Fortaleza, Mossoró também viu as várias universidades sediadas no município paralisarem completamente durante os últimos dias.
“Como Mossoró é uma cidade polo, os alunos vêm de ônibus de outras cidades. E logo no começo, as cidades disseram que não iam mandar ônibus para cá. Logo, veio uma portaria suspendendo as aulas”, conta Higo Lima, que é funcionário da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa).
Desde então, o trabalho é realizado remotamente. “Amanhã (esta quinta-feira) vai ter outra reunião. Até lá, está todo mundo em casa”, acrescenta. No bairro em que mora, explica, atividades da rotina do serviço público, como a coleta de lixo, ocorre com escolta policial.
Na semana passada, a sensação era de recolhimento total: “Tinha consulta de vista marcada e a clínica cancelou. Eu estava esperando encomenda e o motoboy ligou para agendar para eu realmente pegar na porta por medo de circular no bairro. Coisa que eu nunca tinha visto na vida”.
De acordo com ele, um dos diferenciais dessa onda de violência é que, apesar das ações na Capital, muitas cidades pequenas foram atingidas e não houve uma concentração completa em Natal.
Ministério da Justiça
A analista de comunicação e marketing, natural de Jaguaruana (CE) e moradora de Natal, Danielle Rebouças, conta que chegou no Rio Grande do Norte em 2013, e lembra da ocorrência de outros episódios violentos, mas “não recordo de terem se prolongado durante tanto tempo”.
“Desde que começou a onda de ataques, o sentimento tem sido bem parecido com o da pandemia, no sentido de não ser seguro sair de casa, das ruas vazias, clima de tensão. Ao mesmo tempo, as responsabilidades de uma ‘vida normal’ não param. Ontem, estava finalizando o dia de trabalho quando soube de um novo ataque, em uma das pontes”.
DANIELLE REBOUÇAS
Cearense que mora em Natal
Danielle diz sentir-se privilegiada por morar perto do trabalho e embora dependa de transporte público, “no pior dos cenários, conseguiria ir andando ou pedir um carro por aplicativo, mas tem muita gente que sai de casa pela manhã sem saber se o ônibus vai passar ou como vai conseguir voltar no final do dia”.
Ela acrescenta que “os ataques são imprevisíveis e não apenas às instituições. Conheço pessoas que tiveram tentativas de incêndio a carros, casas. É tudo bem incerto, porque sabemos que os problemas das facções não começaram agora e não serão resolvidos da noite para dia, ao mesmo tempo que não é simples qualquer tipo de negociação”.
REVIVER TENSÕES DO ATAQUES
Outra dimensão dos problemas vivenciados no Rio Grande do Norte, segundo os cearenses que residem em cidades potiguares, é que a sucessão de ataques, o clima e a tensão lembram situações registradas tanto no estado, como em territórios vizinhos, como, os ataques ocorridos no Ceará em anos anteriores, na greve da polícia e nos ataques orquestrados por facções.
Para a fortalezense Maria Emanuella Barbosa Firmino, que mora em Mossoró desde o ano passado, a sensação é de insegurança. Ela cursa medicina na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), e ressalta que:
“Todos fomos pegos de surpresa, tanto com os ataques, quanto com a rapidez com que tudo parou. A rotina mudou totalmente com a suspensão das aulas desde o dia 14”.
MARIA EMANUELLA
Cearense que mora em Mossoró
ataques RN
De acordo com ela, a paralisação da PM no Ceará, “assemelhou-se bastante com esse momento, mas acho que a reação no Rio Grande do Norte é um pouco diferente. Eles me parecem mais prevenidos, resguardos”.O estudante José Júlio, natural de Caucaia (CE) e morador de Mossoró atualmente também conta que já havia vivenciado experiências negativas como os ataques no Rio Grande do Norte, quando ainda residia em Fortaleza.
“Fui afetado mesmo em relação às aulas presenciais, que adiaram algumas provas e atividades, complicando ainda mais o final do meu período”.
Cearense que mora em Mossoró
Ele relembra que na época de cursinho e ensino médio, vivenciou “tempos de terror” em Fortaleza, devido a ondas de atentados. “Mas, naquela época, eu continuei tendo aulas presenciais e continuei usando o transporte público, pois precisava me locomover”, diz