Mortalidade infantil volta a crescer no CE, com 1,3 mil óbitos de bebês por ano; entenda fatores

Todo mês, mais de 100 bebês menores de 1 ano morrem no Ceará. Só em 2023, foram mais de 1,3 mil óbitos nessa faixa, de acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Estado. O número alto compõe um indicador importante: a taxa de mortalidade infantil, que voltou a crescer entre os cearenses.

A taxa é calculada relacionando o número de nascidos vivos com o quantitativo de bebês que morreram antes de completarem o 1º ano de vida. No Ceará, o movimento de queda da taxa se estendia desde 2019, mas foi interrompido em 2021.

A tendência preocupante, que afeta quase todo o País, foi abordada no estudo “Cenário da Infância e Adolescência no Brasil”, da Fundação Abrinq. Nela, o Ceará consta entre os 24 estados onde a mortalidade infantil cresceu entre 2020 e 2022.

Em 2020, a taxa de mortalidade infantil no Estado era de 11,6 óbitos a cada mil nascidos vivos, caindo para 10,7 no ano seguinte. Em 2022, porém, subiu para 11,7. Os dados até 2022 são destacados pela Fundação Abrinq e constam na base do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para chegar à taxa de 2023, porém, o Diário do Nordeste cruzou números do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc), que mostram o nascimento de 111 mil bebês no Estado – e a morte de 1.326 menores de 1 ano.

Isso resulta numa taxa de mortalidade infantil de 11,9 óbitos a cada mil nascidos vivos, superior à de 2022 e a mais alta desde 2020.

As principais causas de mortes de bebês menores de 1 ano no Ceará em 2023, de acordo com o SIM, foram complicações na gestação, problemas respiratórios, infecções e problemas associados a malformações de órgãos vitais, como o coração.

Ana Cabral, coordenadora de Vigilância Epidemiológica da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), afirma que as taxas de mortalidade infantil e na infância no Estado atingiram os menores valores em 2020 e 2021; e que nos seguintes, 2022 e 2023, “houve estabilidade”.

Ela afirma que, em números absolutos, as mortes de bebês reduziram, e pondera que o aumento da taxa de mortalidade infantil é influenciado pela queda dos nascimentos: ou seja, se nascem menos bebês, a proporção de mortes será maior.

“Mesmo que a gente consiga diminuir em números absolutos entre os anos, a taxa se mantém”, cita. Desde 2021, contudo, o número de mortes de cearenses menores de 1 ano cresceu: foram 1.287 naquele ano, 1.317 em 2022 e 1.326 em 2023.

IMPACTOS DA FOME

Historicamente, as regiões Norte e Nordeste têm maiores taxas de mortalidade infantil e na infância (que engloba crianças de até 5 anos), como pontua Victor Graça, superintendente da Fundação Abrinq – mas, nos últimos anos, o cenário piorou também no Sul e no Centro Oeste.

Entre os motivos para o indicador ter voltado a crescer no Brasil, aponta o especialista, estão questões de saúde, sociais e até ligadas à pandemia de Covid-19. As causas mais graves, contudo, passam pela deficiência em serviços de saúde.

Os impactos da insegurança alimentar, que já fragilizam a saúde, se somam ainda a outros agentes, como as doenças infecciosas. “Às vezes, o diagnóstico ou tratamento pode não ter sido feito adequadamente e impactado a gestação. Estamos agora com muita dengue, por exemplo, e o diagnóstico não é claro, podendo chegar a um ponto letal”, adiciona Victor.

Sobre a taxa de mortalidade na infância, que engloba crianças de até 5 anos de idade e que também aumentou no Ceará, o especialista aponta como uma das causas-chave a queda da cobertura vacinal. “A vacinação, que teve 95% (de cobertura) em anos atrás, caiu pra perto dos 70%”, lamenta.

A morte de bebês ou crianças por doenças preveníveis por vacinação é uma das chamadas “causas evitáveis” da mortalidade infantil, que são aquelas que podem ser mitigadas com:

  • Ações de imunização;
  • Atenção à mulher na gestação ou parto;
  • Adequada atenção ao recém-nascido;
  • Ações diagnóstico e tratamento adequado;
  • Ações de promoção à saúde vinculadas a ações de atenção.

“Mais de 38 mil crianças morrem por causas evitáveis todo ano. É como se caísse um avião com 100 crianças todo dia e ninguém falasse nada”, lamenta Victor.

Ana Cabral, especialista da Sesa, confirma que “famílias com alta vulnerabilidade social têm maior risco de o bebê ir a óbito com menos de 1 ano ou menos de 5 anos”. Ela acrescenta ainda que “mulheres com baixa escolaridade” se somam aos grupos de risco, assim como aquelas nos extremos de idade – mães adolescentes ou acima dos 40 anos.

 COMO PREVENIR A MORTALIDADE INFANTIL

Focar na promoção à saúde da gestante e incrementar a rede pública de saúde é para o superintendente da Fundação Abrinq a principal estratégia para combater a morte de bebês e crianças por causas evitáveis.

“Transferência de renda para melhorar a alimentação é outra política fundamental. Tem solução, dá pra resolver, só é preciso investimento e prioridade. Criança e adolescente devem ser tratados com prioridade absoluta, como aponta o próprio ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)”, sentencia Victor.

A reportagem questionou a especialista da Secretaria da Saúde do Ceará sobre quais estratégias o Estado adota para prevenir a mortalidade infantil e na infância, e se há apoio aos municípios no fortalecimento à atenção primária.

Entre as medidas da Atenção Primária apoiadas pelo Estado, a Pasta cita:

  • Promoção e apoio ao aleitamento materno exclusivo até 6 meses e continuado até 2 anos ou mais, e manejo de problemas relacionados à lactação;
  • Prevenção, rastreamento, diagnóstico, tratamento e acompanhamento da criança com sífilis, hepatites virais, HIV e outras ISTs;
  • Identificação e manejo dos problemas mais comuns do recém-nascido e lactente;
  • Programas Nacionais de Suplementação de Vitamina A e Ferro;
  • Implementação da Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil;
  • Monitoramento e acompanhamento da Proporção de vacinas do calendário básico de vacinação (CBV) com cobertura vacinal alcançada;
  • Monitoramento dos indicadores infantil de Saúde nas Regiões de Saúde;
  • Investigação de óbitos infantis e fetais em conjunto com a vigilância em saúde e análise em conjunto com o comitê estadual de mortalidade materna, infantil e fetal.

O Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems/CE) também foi procurado pelo Diário do Nordeste, desde quinta-feira (14), para comentar sobre os esforços e desafios na redução da taxa nas cidades cearenses, mas a entidade não disponibilizou entrevistado.

Fonte: Diário do Nordeste