O Polêmico Monarca Dom Pedro I

Casado com a arquiduquesa austríaca Maria Leopoldina, a relação do monarca com a imperatriz não chegou nem perto de se assemelhar aos bons costumes propagados por Pedro I

O primeiro Imperador do Brasil deu o grito da Independência quando ainda era o Príncipe-Regente do Brasil em sete de setembro de 1822. Sua vida é recontada com fortes boatos, fatos reais e ocasiões duvidosas. O monarca passou por diversos casos que abalaram a imagem da Família Imperial Brasileira, entre as histórias se destacam estão a infidelidade e o alcoolismo, que sempre fizeram parte da vida do Imperador até sua prematura morte aos 36 anos de idade.

Casado com a arquiduquesa austríaca Maria Leopoldina, a relação do monarca com a imperatriz não chegou nem perto de se assemelhar aos bons costumes propagados por Pedro I; a vida sexual do líder era publicamente conhecida como movimentada, porém, sem a esposa. Ele chegou a ostentar cinco amantes simultâneas durante uma complicada gestação da companheira. Uma amante em especial, tornou-se um símbolo da infidelidade e humilhação; Domitila de Castro, não apenas acompanhou Pedro I em eventos da realeza, mas chegou a ser nomeada Marquesa de Santos como um presente do monarca — ela nunca esteve no litoral paulista e muito menos na cidade de Santos.

Em dezembro de 1826, Maria Leopoldina sofreu uma hemorragia após um parto complicado, que também vitimou o bebê e levou a mãe a óbito. A comoção popular com a figura de mãe coruja da imperatriz piorou a imagem de Pedro I aos olhos da população brasileira em relação aos problemas anteriores do casal. A hemorragia chegou a ser relacionada a uma briga do casal, dias antes, com um boato de que o monarca teria desferido um chute contra a barriga de Leopoldina, o que nunca foi confirmado por funcionários e familiares da realeza. Abalado, Pedro I chegou a pedir perdão ao ex-sogro pela infidelidade e jurou que jamais cometeria tal erro novamente.

Poucos brasileiros sabem que Dom Pedro tinha um fiel amigo de nome Chalaça, certa vez convidou o príncipe para um passeio como de costume e neste dia o levou para conhecer a nova casa de modas da Rua do Ouvidor e lá Dom Pedro começou a beber e ficou por lá em uma noite de orgias como tantas outras de outros tempos. Segundo o Livro Revelações Inéditas da História do Brasil, de Roselis Von Sass, somente ao romper do dia, Dom Pedro foi levado de volta para casa, na Quinta da Boa Vista. O então príncipe regente passou a viver uma vida de depravação ao lado de seus velhos camaradas de boemias, sempre instigados por Chalaça.

A vida desbragada do príncipe não ficou muito tempo oculta, no raiar de um dia ele apareceu bêbado, cambaleando e com o rosto ensanguentado no dormitório de Leopoldina, as frases desconexas do marido fizeram com que a princesa entendesse que um marinheiro havia lhe quebrado dois dentes com um soco. Somente depois Dona Leopoldina ficou sabendo que Dom Pedro tinha o costume de sair disfarçado e de promover arruaças em espeluncas na companhia de seus velhos amigos de farra.

Foi em uma dessas empreitadas que se apresentou como o Príncipe Regente em pessoa. Um marinheiro português não acreditou na história e lhe desferiu um valente soco na boca do jovem e protestou: “este bêbado tão cedo não há de faltar com o nome do nosso príncipe”. Desde então o príncipe passou a entrar em um profundo e sombrio processo de decadência, algumas pessoas mais prudentes diziam que ele era como um vinho novo, ainda em estado de fermentação e que com o decorrer do tempo haveria de assentar e tomar juízo, morreu bem antes de tudo isso acontecer.

Na noite de 20 de novembro de 1830, quando voltava para casa, o jornalista Líbero Badaró foi abordado por quatro alemães que o atacaram com um bacamarte — uma espécie de escopeta de cano curto — que o levou à morte. Dizem que, no leito da morte, bradou “Morre um liberal, mas não a liberdade”. Líbero era conhecidamente o principal opositor do monarca na imprensa brasileira. Badaró foi o primeiro caso de um membro da imprensa por sua atuação na mídia, que foi assassinado. E foram as razões óbvias de eliminação de um crítico que apontaram à Pedro I como um dos principais suspeitos do crime, com a teoria de que o jornalista, havia abalado a credibilidade política a ponto de ter tido o assassinato orquestrado pelo imperador. Mesmo sem nenhuma prova, o caso foi capaz de polemizar ainda mais a família imperial.

Se por um lado a crítica da população e da imprensa em relação ao seu governo o deixava enfurecido, Pedro I teve a oportunidade de colocar a boca no trombone em publicações autorais no Diário Fluminense. Em textos que ocupavam a primeira página das edições, o monarca tecia críticas para quem o desagradasse.
Desde membros da Câmara Geral — o parlamento brasileiro na época — até mesmo outras figuras da imprensa eram alvos de seus textos inflamados, repletos de atritos e diminuindo a força dos opositores. Mesmo esbanjando superioridade, os textos do final da década de 1820 já mostravam sinais de um governo que perdia o controle administrativo do país.

Pressionado após a volta de seu pai, Dom João VI, a regência portuguesa ordenava o retorno de Pedro a Portugal, de maneira que o Brasil retornasse ao status de colônia. A polêmica volta era rodeada de críticos, principalmente das uniões liberais tupiniquins. Buscando amparo, se uniram ao Partido Brasileiro e demonstraram apoio ao príncipe-regente.
Pedro I decidiu ficar e assumiu a monarquia, mas gerou um conflito com os interesses portugueses, rompendo um vínculo diplomático que, posteriormente, acarretou na declaração da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, porém, deixou uma marca de situação mal resolvida durante os anos seguintes da influência portuguesa na política brasileira.

A independência do Brasil foi marcada por bizarros imprevistos, um dos episódios esconde curiosidades que não foram reveladas no quadro de Pedro Américo e nos livros de História. Em meados de 1808, o governo de Dom João VI, então rei de Portugal, era bastante questionado por aqueles que não concordavam com suas medidas. A pressão, contudo, não impedia o monarca, que implementou, no mesmo ano, a abertura dos portos às nações vizinhas e também autorizou o comércio entre o Brasil e a Inglaterra.

A oposição, no entanto, continuou intensa em 1817, ano da Revolução Pernambucana. Na época, diversas pessoas que se voltaram contra a monarquia portuguesa e decidiram criar uma República independente do resto do Brasil.
Devido à insatisfação de Portugal sobre as implementações brasileiras feitas por Dom João VI, o monarca retornou ao país em 1821. Dessa maneira, Pedro de Alcântara tornou-se príncipe regente e assumiu o conturbado reinado.

Em apenas um ano de governo, ele também teve que lidar com inúmeras exigências de Portugal, o que fez com que grande parte da população perdesse o desejo de continuar vinculado ao país. Em agosto de 1822, a corte portuguesa ordenou a volta do príncipe a Portugal. Ao ler a carta, Maria Leopoldina, esposa de Pedro de Alcântara, tomou a iniciativa de romper completamente as ligações com os portugueses. Dessa maneira, ela assinou a declaração de independência no dia 2 de setembro. No entanto, o príncipe regente só teve contato com a carta cinco dias depois, já que estava em uma viagem a Santos a caminho de São Paulo.

No dia sete de setembro, o mensageiro Paulo Bregaro alcançou os cavalos da realeza. Considerado atualmente como patrono dos carteiros, entregou a correspondência assinada quando todos estavam às margens do Rio Ipiranga e, minutos depois, Dom Pedro I gritou “Independência ou morte!”, declarando o desligamento e a emancipação política de Portugal com o Brasil.

No entanto, o que poucos conhecem são as situações por trás do momento histórico. De acordo com o jornalista Laurentino Gomes, autor do livro ‘1822’, pouco antes do anúncio, o monarca sofreu de problemas intestinais que marcaram a declaração da independência. “O destino cruzou o caminho de D. Pedro em situação de desconforto e nenhuma elegância. Ao se aproximar do riacho do Ipiranga, às 16h30min de sete de setembro de 1822, o príncipe regente, futuro imperador do Brasil e rei de Portugal, estava com dor de barriga. A causa dos distúrbios intestinais é desconhecida”, escreveu o jornalista. De acordo com o escritor, a teoria mais aceita é de que o monarca havia ingerido algum alimento contaminado no dia anterior, enquanto ele e sua comitiva estavam em Santos.

“Testemunha dos acontecimentos, o coronel Manuel Marcondes de Oliveira Melo, subcomandante da guarda de honra e futuro barão de Pindamonhangaba, usou em suas memórias um eufemismo para descrever a situação do príncipe. Segundo ele, a intervalos regulares D. Pedro se via obrigado a apear do animal que o transportava para ‘prover-se’ no denso matagal que cobria as margens da estrada”, acrescentou.
Gomes também relatou quando o imperador fez uma parada em Cubatão devido aos problemas intestinais. “O príncipe refugiou-se na modesta estalagem situada à beira do porto fluvial da cidade. Maria do Couto, responsável pelo estabelecimento, preparou-lhe um chá de folha de goiabeira, remédio ancestral usado no Brasil contra diarreia”.

Não obstante, o chá fez com que duas dores sumissem temporariamente, o que lhe deu ânimo para continuar a viagem e, posteriormente, declarar a independência do Brasil. Além disso, acredita-se que a pintura do quadro Independência ou Morte, de Pedro Américo, não condiz com a verdade. De acordo com os historiadores, o imperador não estava montado em um cavalo, e sim em uma mula.

Quando o pintor acadêmico Pedro Américo recebeu a encomenda da família real, ele abusou de licença poética. Exceto pelo imperador brandindo sua espada e gritando, tudo no colossal Independência ou Morte é invenção do artista.
Américo transformou uma cena trivial e provavelmente bem feia num épico de batalha – colocando um regimento inteiro vestido em uniformes de gala, prestes a combater, alguns até em posição de combate, com seus cavalos em movimento. Era certamente a forma como a monarquia brasileira, invicta nas guerras que havia travado até então, preferia ser representada.

Mas, como o quadro, era mais pompa e circunstância que realidade: no ano seguinte à conclusão da obra, o imperador seria deposto num golpe militar. O Museu da Independência (Museu Paulista), para o qual havia sido encomendado, só seria aberto em 1895, já durante a República. Atualmente o Museu está fechado para reforma e ampliação e será reaberto em sete de setembro de 2022 em comemoração aos 200 anos da independência. Ainda que o quadro certamente não retrate a vida real, ele é verdadeiro de certa forma. O que dom Pedro fez, seja lá como se sentisse dos intestinos, foi realmente um gesto heroico: ao ouvir que a monarquia portuguesa o havia tirado do cargo de regente do Brasil, ele imediatamente declarou guerra.

Uma lenda popular conta que a imperatriz estava grávida quando um aborto — fruto da violência do monarca — teria ocorrido. Mas, não foi exatamente isso que aconteceu. Todos eram testemunhas que Dom Pedro I abertamente traía Dona Leopoldina com Domitila de Castro e outras mulheres. Teve filhos com a principal amante e os assumiu publicamente. A imperatriz, por sua vez, se queixava contra o imperador em cartas que redigia à irmã, Maria Luiza, da Áustria. Em uma delas, diz até que o marido tinha um “caráter extremamente exaltado”.

A explicação para isso estava em São Paulo, na Cripta Imperial, do Ipiranga, localizada no Monumento da Independência, onde jazem os restos mortais da imperatriz. A pesquisadora Valdirene Ambiel, em parceria com vários especialistas e instituições, foi quem estudou os despojos de Leopoldina, assim como os de Dom Pedro I, e a segunda esposa dele, Dona Amélia. O estudo fez parte da dissertação de mestrado da pesquisadora, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP).

Entre muitas revelações surpreendentes, a pesquisa mostrou que Leopoldina não foi empurrada da escada. Nem tampouco morreu do resultado desse suposto episódio de brutalidade. Na realidade, o óbito dela foi causado pela evolução de um quadro infeccioso: não havia indício de fratura ou “trauma muito violento”. Curiosamente, o estudo comenta também que um procedimento obstétrico realizado pelo Circurgião-Mor do Império pode ter piorado a saúde da soberana, levando a uma possível infecção uterina ou puerperal. Isso porque, na época, a higiene na obstetrícia ainda não havia sido estabelecida ou transformada pelo médico húngaro Ignaz Semmelweis — aquele que defendia o hábito de lavar as mãos, mas acabou sendo perseguido e internado em um manicômio. Com a pandemia do novo Coronavírus, lavar as mãos ou fazer assepsia com álcool em gel, virou rotina na vida da população do mundo todo.

Como fruto da colaboração do médico legista Luiz Roberto Fontes, a pesquisa incluiu o estudo de boletins médicos dos Arquivos do Museu Imperial, em Petrópolis; como também um artigo do médico Dr. Odorino Breda Filho, de 1972, da revista do Instituto Histórico Geográfico de São Paulo. O médico por sua vez, apurou que a imperatriz sofria de “dores de cadeiras” e “evacuações mucosa-sanguínea pela via anterior”. Ou seja, podemos dizer que Leopoldina sofreu bastante nos seus últimos momentos. Tais sintomas eram os de um quadro de ameaça de aborto. Esse que, de fato ocorreu — porém de causas espontâneas. Até porque as datas não batem para que o incidente fosse fruto de violência de Dom Pedro I. Segundo Ambiel, o aborto ocorreu em 2 de dezembro de 1826; alguns dias antes, porém, o monarca havia saído do Rio de Janeiro, com destino a Cisplatina, no Uruguai, em 23 de novembro de 1826. Ou seja, a perda do bebê ocorreu na ausência de Dom Pedro.

Além disso, Leopoldina estava no terceiro mês de gravidez. Nesse caso, segundo a pesquisa, se um empurrão tivesse realmente causado a perda do bebê, o golpe teria que ter sido aplicado com uma força muito violenta, que resultaria em trauma e até em hemorragia. Então, a imperatriz podia ter morrido até em uma questão de horas — o que de fato não aconteceu. Desmistificando ainda mais a lenda do empurrão, a arqueóloga Valdirene Ambiel explicou que, no caso de agressão, a morte do neném também teria que ter ocorrido antes. “Se houvesse um ato de violência praticado por D. Pedro, o óbito do feto seria anterior ao abortamento”, explicou.

Entretanto, ela abre um, porém. O que foi estudado foi o episódio do empurrão: portanto, isso não descarta a possibilidade da dama ter sido maltratada pelo cônjuge em outros acontecimentos. “Como sempre falo, não posso afirmar que D. Pedro nunca praticou violência física contra a esposa, mas podemos dizer que esta violência não causou a morte de D. Leopoldina”, ponderou a arqueóloga.