Uma doença fúngica conhecida como “doença do jardineiro”, capaz de provocar múltiplas lesões na pele, entrou oficialmente no radar das autoridades de saúde no Ceará. Desde março de 2025, quando passou a ser de notificação compulsória no Brasil, o Estado já registrou 39 casos de esporotricose humana, sendo 26 em mulheres e 13 em homens.
Os dados foram compartilhados pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) em uma formação na Escola de Saúde Pública (ESP). O objetivo é sensibilizar os profissionais a identificar possíveis casos e dar o melhor encaminhamento aos pacientes.
No geral, os registros começaram em pessoas a partir de 11 anos, sendo mais comum na população acima de 40 anos e tendo maioria (12) em idosos acima de 60 anos.
Até outubro, cinco cidades haviam confirmado casos de esporotricose humana:
– Fortaleza – 29
– Paracuru – 7
– Eusébio – 1
– Orós – 1
– Pacajus – 1
Para Carlos Garcia Filho, orientador da Célula de Vigilância e Prevenção de Doenças Transmissíveis e Não Transmissíveis (Cevep/Sesa), a predominância na capital é esperada pela maior facilidade de acesso a informações e a serviços de referência, como o Hospital São José (HSJ) e o Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC).
Apesar da carência de informações, o médico observa “uma tendência de crescimento, com possibilidade de termos uma quantidade importante de casos já no final desse primeiro ano”.
“Para o nosso Estado, o cenário é consistente. Tivemos casos notificados todos os meses e provavelmente há uma tendência de crescer essas notificações conforme for maior a divulgação para os profissionais”, explica.
O que é esporotricose?
A esporotricose é uma micose subcutânea causada por fungos do gênero Sporothrix, que são capazes de infectar humanos e animais.
A espécie Sporothrix schenckii tem distribuição global e é mais associada a traumas com vegetais contaminados, pois vive no solo e em matérias em decomposição. Por isso, inicialmente, era chamada de “doença do jardineiro”, pois acometia mais pessoas que lidavam com plantas espinhosas, como roseiras.
A doença foi descrita pela primeira vez no Brasil em 1955, em São Paulo, mas passou a se expandir de forma mais expressiva a partir da década de 1990, com surtos registrados no Rio de Janeiro.
Segundo Lisandra Damasceno, médica infectologista do HSJ e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), a responsável por esse fenômeno foi a espécie Sporothrix brasiliensis, descrita em 2007. Ela se adaptou facilmente ao organismo de animais, principalmente felinos, o que facilitou a transmissão aos seres humanos.
Nas últimas duas décadas, a doença migrou do Sul e do Sudeste para o Norte e Nordeste. O primeiro caso autóctone no Ceará ocorreu em 2022, marcando a chegada da enfermidade ao Estado.
Para Damasceno, o avanço da doença é um alerta. “A adaptação dela em gatos impactou no controle da doença. Até hoje, não se conseguiu controlar no Rio de Janeiro, e não queremos esse mesmo reflexo no nosso Estado”, destaca.
A notificação compulsória, implementada nacionalmente em março de 2025, é vista pela Sesa como uma ferramenta estratégica para mapear e conseguir maior precisão no acompanhamento dos casos.
Formas de transmissão
Atualmente, a esporotricose pode ser transmitida de duas formas principais: pelo contato direto com solo, vegetação em decomposição ou espinhos contaminados, e pela transmissão zoonótica, que ocorre ao se lidar com gatos infectados.
A espécie Sporothrix brasiliensis, mais virulenta que as demais, se adapta facilmente aos felinos, que adoecem de forma mais grave e carregam uma alta carga fúngica.
“O gato doméstico é o principal vetor. Ele transmite por arranhadura, mordedura ou até por gotículas respiratórias, o que exige cuidado no manuseio de animais doentes”, alerta Damasceno.
Os grupos de risco para casos suspeitos da doença incluem:
– tutores de felinos;
– pessoas que tiveram contato com animais com lesões;
– contato com animais que vivem em casas, mas têm circulação livre no ambiente;
– médicos veterinários e estudantes;
– acumuladores de felinos;
– funcionários de pet shop.
Apesar de ser mais comum em felinos, a infectologista afirma que o fungo também já foi encontrado em animais como roedores, tatus e equinos.
Carlos Garcia Filho, da Sesa, reforça que não há transmissão entre pessoas, mas que o fungo pode sobreviver algum tempo em superfícies e objetos contaminados.
Sintomas da infecção
No caso do fungo transmitido por animais, a infecção costuma se manifestar entre 7 e 12 dias após o contato, começando por uma ferida no local da inoculação – geralmente nas mãos, braços, pernas ou face, locais de maior exposição.
“Onde houve o trauma, forma-se um cancro que evolui para nódulo. Ele ulcera e, de dias a semanas, se dissemina para outras áreas linfáticas, formando um aspecto de rosário”, explica Lisandra.
A forma mais comum é a linfocutânea (pele e vasos linfáticos), responsável por até 90% dos casos, geralmente sem sintomas sistêmicos.
Em outras situações, podem ocorrer lesões em mucosas, como conjuntivite ou feridas na boca e no nariz.
Pessoas com imunidade comprometida (como pessoas vivendo com HIV/aids ou transplantados) correm maior risco de desenvolver formas graves e disseminadas da doença, que podem atingir articulações e ossos, pulmões e até o sistema nervoso central.
“A pessoa deve procurar o posto de saúde se perceber feridas que não cicatrizam, especialmente nódulos vermelhos que podem se espalhar pelo corpo, após arranhões de animais, contato com madeira ou arame contaminado”, orienta o médico Carlos Garcia.
Tratamento da esporotricose
O tratamento é ambulatorial, na maioria dos casos, e disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A primeira opção é o uso de um antifúngico oral. O medicamento pode ser solicitado diretamente pela unidade de atendimento ao Ministério da Saúde, por meio da nova plataforma Micosis.
O acompanhamento médico é importante, já que a resposta clínica pode variar conforme o estágio da infecção e o estado imunológico do paciente.
Na rede pública, o atendimento deve ser iniciado pelas unidades básicas de saúde (UBS). Casos suspeitos da doença devem ser encaminhados para serviços de referência em infectologia e dermatologia, conforme fluxo das Secretarias Municipais de Saúde.
Como se prevenir
Segundo o Ministério da Saúde, como atualmente não existem vacinas para infecções fúngicas de importância médica, as recomendações para prevenção da esporotricose incluem:
– usar luvas ao manusear terra, plantas ou animais com lesões;
– manter quintais limpos e sem acúmulo de materiais que possam ser contaminados;
– lavar bem as mãos após cuidar de animais domésticos;
– manter cães e gatos em casa;
– evitar o contato com animais doentes.
Quanto mais precoce o diagnóstico, maior a chance de cura e menor o risco de complicações.
Fonte: Diário do Nordeste

