Professores percorrem zona rural para entregar tarefas e alunos compartilham celular para ter aula

Superar barreiras para garantir o acesso à educação. Este lema tem sido a força-motriz de diversos educadores do Interior cearense que, durante a pandemia da Covid-19, precisaram por conta própria “ir além” das atividades antes habituais para levar conhecimento a jovens das zonas rurais.

A pedagoga Eliene Alves da Costa, 39, faz parte dessa legião. Ao menos uma vez por semana ela percorre estradas carroçáveis do Distrito Triunfo, em Nova Olinda, no Cariri, para entregar atividades educacionais aos jovens que não possuem acesso pleno à internet. 

Este trajeto, de até 5km, é feito independentemente do clima. Seja no sol escaldante com sensação térmica que beira os 40 graus, ou debaixo de chuva, Eliene está lá, “indo além para garantir o aprendizado dos alunos”. 

Ela conta que essa saga teve início ainda no ano passado, quando o corpo diretor da escola em que ela trabalha identificou que alguns estudantes não tinham pleno acesso ao conteúdo disponibilizado pela internet.  

Eliene e outros três funcionários – entre diretores e coordenadores – da Escola Reunidas Santo Expedito passaram então a visitar os alunos presencialmente. Para chegar até a casa deles, o meio de transporte utilizado é a motocicleta, único capaz de transpor as barreiras existentes. 

“É perigoso. Quando chove tem muita lama e a gente chega perto de cair. O caminho nem sempre é fácil, passamos por pequenas pontes, pedras, nos molhamos na chuva como aconteceu nesta semana, enfim, é um desafio”, relata a pedagoga, que hoje ocupa o cargo de coordenadora pedagógica da escola em que estudam 210 alunos da educação infantil ao fundamental II.  null

Utilizar o próprio transporte e enfrentar inúmeros obstáculos foi a única forma encontrada pela professora – que há 12 anos atua no sistema educacional – para minimizar os danos aos alunos. Há mais de um ano com atividades remotas, Eliane avalia que os alunos, sobretudo aqueles com menor poder aquisitivo, terão déficit educacional. 

“Nós reorganizamos o material didático, buscamos outras estratégias e reformulamos o ensino, mas mesmo com todo esse esforço, considero que muitos terão dificuldade de aprender, justamente por não terem acesso constante a internet ou a eletrônicos”, destaca. Ela ressalta ainda que a interação e socialização é fundamental para o desenvolvimento cognitivo.

“Há danos. Então a gente procura enfrentar barreiras para minimizar estes impactos. Se não levássemos as atividades até a casa deles, muitos não teriam qualquer acesso ao conteúdo. Imagine só o prejuízo para esse jovem?” ELIENE ALVES DA COSTAprofessora .  

Legenda: Daiane utiliza internet e equipamentos da escola para manter o conteúdo educacional em diasFoto: VcRepórter

8K PERCORRIDOS DE MOTO E BICICLETA

No Distrito de Rafael Arruda, em Sobral, região Norte do Estado, parte do material é entregue de moto e até de bicicleta. Os desafios e “perigos” ressaltados por Eliene, em Nova Olinda, são compartilhados pelos quase 15 funcionários da Escola Vicente Antenor Ferreira Gomes que se deslocam semanalmente para entregar o conteúdo didático impresso aos alunos que não têm acesso à internet. 

O diretor da escola, Osmarino Ribeiro, conta que os profissionais precisam percorrer distâncias que chegam a 8km. “Para localidade de Recreio são 6km, chegando lá, temos que percorrer mais 2km até as fazendas onde moram alguns alunos. É uma distância considerável, mas essa busca ativa é vital”, considera. 

Sem a entrega dos materiais, Osmarino considera que “muitos jovens não conseguiram nem ao menos ser alfabetizados, já que não têm qualquer contato com internet ou dispositivos eletrônicos”.Não consigo mensurar o prejuízo educacional. Com as aulas remotas há mais de um ano, tivemos que buscar alternativas para levar conhecimento a todos. OSMARINO RIBEIRODiretor escolar 

A professora Mariana Cristina Teles Araújo, de 46 anos, é uma das percorrem longos trajetos de moto e até de bicicleta para garantir o acesso dos jovens aos conteúdos. “É muito cansativo”, diz a docente que há mais de 20 anos ministra aulas na região Norte. Contudo, esse esforço, para ela, “é recompensado em dobro”.

“A satisfação de ver as crianças felizes ao receberem o material é nossa grande recompensa. Isso faz valer qualquer esforço. E não estamos falando apenas do material didático, a entrega também mexe com o emocional das crianças que, sem contato diário com amigos e professores, se sentem carentes de emoção. Com a nossa chegada, elas se sentem importantes, motivadas e isso reflete positivamente no aprendizado”, avalia Mariana. 

Para a professora, “enfrentar lama, buraqueira e terra batida é o menor dos problemas frente ao prejuízo que elas teriam se não tivessem acesso a esse conteúdo impresso”. O material entregue é recolhido na semana seguinte para que o corpo docente da escola avalie individualmente o desenvolvimento do aluno.

Fonte: Diário do Nordeste