Da ensolarada e quente praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, onde os termômetros podem alcançar 40ºC, a um dos pontos mais frios do sistema solar, a lua Titã, de Saturno, onde a temperatura gira em torno de 200ºC negativos. Essa são, por enquanto, as duas pontas – com muito trabalho no meio – da carreira da astrônoma, geóloga planetária e vulcanóloga brasileira Rosaly Lopes, que desde 1991 trabalha como pesquisadora do Jet Propulsion Laboratory (JPL), da Nasa, em Pasadena, na Califórnia.
A carioca nasceu no dia 8 de janeiro de 1957 e vem de uma família de classe média, com pai dono de empresas de engenharia e mãe formada em música, mas que trabalhou como corretora.
Rosaly realiza pesquisas sobre a Titã – a maior lua de Saturno e a segunda do sistema solar, atrás de Ganimedes, satélite natural de Júpiter – a partir dos dados recebidos da nave Cassini-Huygens. Lançada em 15 de outubro de 1997, ela entrou em órbita em 1º de julho de 2004 e terminou sua missão em 15 de setembro de 2017.
Até chegar nesse ponto da carreira, foi uma longa caminhada, na qual contou com o apoio decisivo da família. Rosaly conta que, embora nunca tenha tido parentes cientistas, ela teve entre os familiares mulheres pioneiras nos estudos.
“Minha avó materna, nascida em 1900, era professora, e a mãe dela foi a primeira mulher brasileira a completar o ensino secundário”, orgulha-se. “Uma irmã de minha avó foi uma das primeiras enfermeiras do Brasil, treinada nos Estados Unidos. Então, havia uma tradição de membros femininos da família estudarem, mesmo sendo difícil na época.”
Seu gosto pelo espaço e pela astronomia surgiu, no entanto, antes dos estudos. Ela tem lembranças dessa atração desde os quatro anos, quando, em 1961, o cosmonauta russo Yuri Gagarin se tornou o primeiro ser humano a entrar em órbita da Terra, no dia 12 de abril.
“Eu me lembro dos meu pais falando que esse russo tinha ido ao espaço e achei aquilo uma maravilha”, conta. “Eu não sabia nem o que era um russo, ainda mais como ele tinha subido lá em cima.”
‘Mulher, brasileira e míope’
Decidiu então que seria astronauta. Logo percebeu, no entanto, que era quase impossível realizar este sonho.
“Ainda era pequena quando fui descobrindo que eu era mulher, brasileira e super míope”, diz. “Então não dava para ser astronauta. Por isso, ainda menina resolvi me tornar cientista e trabalhar para a Nasa no programa espacial”.
O Programa Apollo, um conjunto de missões espaciais coordenadas pela agência espacial americana entre 1961 e 1972 com o objetivo de colocar o homem na Lua, também teve influência decisiva na escolha de Rosaly pela carreira científica, ligada a pesquisas espaciais.
“Eu cresci lendo sobre esse programa e a corrida para a Lua”, explica. “Além disso, me inspirou uma especialista que vi num jornal, Frances Northcutt, que trabalhou no Johnson Space Center, calculando órbitas para as naves Apollo. Ver uma mulher trabalhando lá foi uma inspiração.”
Com o apelido de Poppy, Frances Northcutt era engenheira da equipe técnica do Programa Apollo e teve papel importante na missão da Apollo 13, a sétima do projeto e a terceira com intenção de pousar na Lua.
Lançada no dia 11 de abril de 1970, ela não cumpriu seu objetivo, devido a um acidente durante a viagem de ida, causado por uma explosão no módulo de serviço, que impediu a descida no satélite.
Após seis dias no espaço, a nave e seus tripulantes conseguiram retornar à Terra, em segurança, graças em parte ao trabalho de Poppy, que ajudou nos cálculos da rota de retorno da Apollo 13.
“As reportagens dos dois jornais que eu li no Rio de Janeiro falavam dela”, lembra Rosaly. “Só de mostrarem uma mulher, no centro de controle de Houston, foi uma inspiração muito grande para mim. Engraçado, eu nunca a conheci pessoalmente. Ela deixou a Nasa logo depois, foi estudar Direito e se tornou advogada. É importante mulheres cientistas fazerem divulgação para inspirar as próximas meninas.”
Carreira no exterior
Com esses antecedentes, Rosaly chegou à faculdade decidida a ser astrônoma. No começo, estudou na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), logo depois foi selecionada para fazer a graduação na Inglaterra.
Assim, em 1972, três anos depois do encerramento do Programa Apollo, aos 18 anos, ela ingressou no University College London. “Fiz Astronomia e doutorado em Geologia dos planetas naquela instituição”, revela.
A ida para a agência espacial americana ocorreu logo depois, quando ela estava completando o doutorado. “Um colega aqui do JPL (Jet Propulsion Laboratory) me falou sobre o programa ‘Nasa Postdoctoral Program’ aberto a estrangeiros”, diz.
“Eu tinha um emprego fixo na Inglaterra, no Observatório de Greenwich, mas resolvi correr o risco de deixá-lo e vir para o JPL para um pós-doutorado de dois anos. Mas eles gostaram de mim e me ofereceram um trabalho aqui, na missão Galileo (que lançou uma nave não-tripulada para Júpiter).”
Nesse projeto, que se estendeu por 14 anos, de 18 de outubro de 1989, quando a nave foi lançada, até 21 de setembro de 2003, dia em que ela foi arremessada deliberadamente na atmosfera do Júpiter para ser destruída, Rosaly atuou como especialista na lua vulcânica de Io, na equipe do instrumento Near Infrared Mapping Spectrometer – um espectrômetro de infravermelho, que servia para determinar composições das superfícies e temperaturas das lavas do satélite natural.
Nessa missão, a pesquisadora brasileira descobriu 71 novos vulcões ativos em Io, o que a colocou no Guinness Book of World Records 2006 (edição em inglês) como a pessoa que encontrou o maior número deles do universo.
Mas não é só em outros mundos que Rosaly estuda essas estruturas geológicas. Ela também se dedica às da Terra. Tanto que um de seus quatro livros, Turismo de Aventura em Vulcões, é sobre elas. Na obra, a autora mostra roteiros para expedições a algumas das mais conhecidas.
Depois da Galileo, a pesquisadora foi para a missão Cassini, trabalhando com o radar, principalmente sobre a geologia de Titã. A missão acabou, mas Rosaly recebeu verba de diversas fontes para continuar fazendo pesquisas sobre aquela lua – a mais recente vem do Nasa Astrobiology Institute.
“A minha foi uma de três propostas escolhidas (para receberem financiamento) e, entre 2018 e 2023, vou comandar um time de 29 pesquisadores, além de vários estudantes de pós-doutorado, de diversas instituições e países, para pesquisar possibilidade de a vida ter se desenvolvido naquele mundo”, destaca.
Além disso, recentemente Rosaly se tornou a primeira mulher – e a primeira pessoa não americana – a assumir o cargo de editora-chefe da conceituada revista cientifica Icarus, fundada por Carl Sagan, para publicar pesquisas em ciências planetárias.
“Todos os editores-chefes anteriores eram da Cornell University, porque na época os manuscritos sobre ciência planetária eram todos enviados para lá”, explica.
“O cargo passou de um para outro. Foram poucos, acho que três ou quatro. O último, que ficou mais de 10 anos, e a Sociedade Astronômica Americana, que tem uma divisão de Ciências Planetárias, estavam procurando quem queria se candidatar. Eu me interessei e eles me escolheram para a função.”