Setembro Verde: o sim da família é a esperança para quem aguarda por um órgão
Mais de 1.600 pessoas esperam por um transplante de órgãos no Ceará, atualmente, segundo dados da Central de Transplantes da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa). O Ceará é um dos estados que mais registra doações e transplante de órgãos no Brasil, mas o número ainda não é suficiente para zerar a fila. E durante o mês de setembro, as unidades hospitalares de todo o País desenvolvem a campanha “Setembro Verde”, visando justamente a conscientização e o incentivo à doação de órgãos.
Para Bruna Bandeira, enfermeira do Hospital Regional do Cariri (HRC) e integrante da Organização de Procura de Órgãos e Tecidos (OPO) da unidade da Sesa na região, é importante que as pessoas sinalizem o interesse em serem doadores ainda em vida. “No Brasil, por lei, a doação é chamada ‘doação consentida’ e precisa ser autorizada pelo seu responsável legal. Por isso, é importante comunicar aos parentes o desejo de doar. Porque após o falecimento, quem decide são os familiares responsáveis legais, de primeiro e segundo grau (pais, irmãos, filhos e cônjuge)”, comenta.
Ainda de acordo com a enfermeira, uma das maiores dificuldades para redução da fila, ainda é a recusa familiar. No primeiro semestre de 2023, foram mais de 300 notificações de potenciais doadores no Estado, mas apenas 35% foi efetivada. O principal motivo, com 45%, foi por falta de autorização da família. Seguido, com 24%, pela contraindicação médica. “A Informação é fundamental para que a sociedade confie no sistema transplantes e compreenda a importância da doação de órgãos. Um único doador pode salvar até oito vidas”, destaca Bruna.
HRN também capta órgãos para doação
O Hospital Regional Norte (HRN), em Sobral, conta também com uma Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT), formada por enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, médicos da Emergência e da Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Além disso, serviços secundários de imagem e laboratório auxiliam a CIHDOTT, que busca organizar, institucionalmente, rotinas e protocolos para possibilitar o processo da doação de órgãos e tecidos a pacientes que aguardam por um transplante. As equipes de captação dos hospitais transplantadores sob coordenação da Central de Transplantes do Governo de Estado captam no HRN fígado, rins e córneas. Neste ano, a unidade realizou a primeira captação de coração.
Ato de humanidade
Embora a doação de órgãos seja fundamental para salvar vidas, o tema ainda carrega estigma. E o papel dos profissionais de saúde é fundamental para acolher os familiares e fazê-los entender todo o processo, mesmo em um momento de dor. Esse é o compromisso diário dos membros das OPOs e Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT), que atuam nas unidades de saúde do Ceará.
Para Cibelle Bezerra, enfermeira do Banco de Olhos do Ceará (BOC), a entrevista familiar é um momento íntimo e único para os parentes do doador. “É sempre um momento emocionante e muito individual de cada família. Buscamos sensibilizá-los sobre a importância da doação. ‘Se você precisasse daquele órgão, você gostaria de receber?’ São alguns questionamentos que fazem as famílias refletirem. E, apesar do momento doloroso, muitos conseguem ressignificá-lo, dando a continuidade à vida de outras pessoas”, comenta.
Há dois anos realizando captações de córneas na região do Cariri, Cibelle se emocionou com o ato da família de Auricélia Calixto. Após a morte da professora, os familiares autorizaram a doação das córneas, como também iniciaram uma campanha nas redes sociais, divulgando a importância do ato de doar.
“Apesar da dor e da tristeza de toda a família. Sabemos que estamos fazendo o bem para alguém. Umas das melhores coisas que um ser humano pode fazer é se doar, ajudar quem necessita. Então, pensamos nisso. Estamos tristes, mas sabemos que alguém voltará a enxergar através dos olhos da Auricélia”, comenta Marcolina Leite, cunhada da doadora.
A decisão da doação partiu dos próprios filhos e do marido de Auricélia. E logo que decidiram pela doação, familiares compartilharam com parentes e amigos sobre o processo de doação. “Mesmo diante de um momento de dor, é uma atitude que serve para nos acalmar e confortar. É um ato humano, nobre. Que nossa sociedade possa perceber a doação de órgãos de forma mais humana. Se estamos partindo e não podemos mais estar aqui, então, ao menos uma parte nossa, por meio dos órgãos, estará salvando a vida de alguém”, concluiu.
Central de Transplantes do Ceará
A Central de Transplantes do Ceará funciona 24 horas, sete dias por semana, na sede da Sesa e coordena as atividades de transplantes no âmbito estadual. A central é responsável por regular a lista dos receptores de órgãos e tecidos, receber notificações de potenciais doadores, diagnosticados por morte encefálica, e articular a logística que torna a cirurgia de transplante possível.
Neste ano, 1.228 transplantes foram realizados até 26 de setembro. Dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) mostram a relevância do Ceará no que diz respeito à realização de procedimentos envolvendo córneas (2º lugar no País), fígado (3º), pâncreas (4º) e coração (5º).
No período, 786 transplantes de córnea já foram realizados. Outros transplantes com maior volume de realização são os de fígado e rim, os quais totalizam, respectivamente, 151 e 147. Os de medula óssea somam 104, e os de coração, 21.