“Sobrinho” de Bolsonaro atua para vender simulador de tiro ao governo

Representantes de uma empresa argentina que fabrica simuladores de tiro recorreram a Leonardo Rodrigues de Jesus, o Léo Índio, primo dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, para tentar fazer negócio com o governo federal.

O grupo Davnar, com sede em Buenos Aires, buscava oferecer os simuladores a órgãos oficiais já havia algum tempo, sem sucesso. Até que, entre o fim de 2020 e o início do ano passado, um amigo do clã Bolsonaro se interessou pelo produto e, logo em seguida, pôs Léo Índio na jogada. A ideia, claro, era facilitar a entrada da empresa nos órgãos oficiais.

O episódio é ilustrativo da mistura imprópria de interesses públicos e privados no governo, algo que o próprio Jair Bolsonaro condenava com veemência em sua campanha para chegar ao Palácio do Planalto.

A chave para abrir as portas à fabricante dos simuladores de tiro em Brasília foi uma figura que, ainda na campanha de 2018, ganhou projeção na militância bolsonarista.

Ex-agente penitenciário em Minas Gerais e sócio de uma empresa de segurança, Rafael Moreno de Almeida, que se apresenta publicamente como Rafael Guerra, tinha o hábito de ir aos eventos de campanha de Bolsonaro em Belo Horizonte levando consigo o filho, uma criança de pouco mais de 5 anos à época, paramentado com farda militar e carregando réplicas de pistolas e fuzis.

A visibilidade garantida pelo menino fardado ajudou Rafael a se aproximar da família presidencial. Uma vez Bolsonaro eleito, ele passou a viajar com frequência para Brasília, sempre levando o garoto a tiracolo. As vigílias da dupla na entrada do Palácio da Alvorada em busca de uma foto ao lado do presidente e as sucessivas participações em manifestações pró-governo renderam frutos. Pai e filho caíram nas graças dos Bolsonaro.

Demorou pouco para que Rafael ganhasse a confiança da família, a ponto de se encontrar várias vezes com os filhos do presidente e de ser recebido pelo próprio Bolsonaro, em mais de uma oportunidade, no Palácio do Planalto. Léo Índio, de quem Rafael se aproximou ainda na campanha, virou um amigo do peito.

A proximidade logo se transformaria em atalho para as incursões no governo. Ao conhecer o simulador de tiro, projetado para treinar integrantes de forças de segurança, Rafael se dispôs a ajudar na tarefa de abrir mercado para a Davnar. E não fez qualquer questão de esconder que seu plano era recorrer ao auxílio de familiares do presidente da República.

Assim foi feito. De pronto, ele pediu à empresa que organizasse uma reunião para apresentar o equipamento a Léo Índio. O encontro foi realizado dias depois. Juan Molnar, o argentino que fundou a Davnar no final dos anos 1970, mandou que parceiros da empresa em São Paulo enviassem um representante a Brasília especialmente para apresentar o sistema ao primo dos filhos de Jair Bolsonaro. A apresentação foi realizada em um clube de tiro da cidade (veja vídeo).

 

A entrada de Léo Índio na empreitada coincidiu com o início de uma nova e alvissareira fase no plano da empresa de vender os simuladores para corporações vinculadas ao governo. As dificuldades de acesso experimentadas até então ficaram no passado. Tanto é assim que, atualmente, a Davnar tem a expectativa de fechar contratos com diferentes órgãos federais de segurança.

Nenhum desses órgãos admite a participação de Léo Índio nas tratativas, mas um levantamento feito pela coluna mostra que algumas portas se abriram para a Davnar a partir do momento em que o “sobrinho” do presidente entrou em cena. Foi assim, por exemplo, no Exército.

Em agosto do ano passado, um representante da empresa foi até a sede do 2º Batalhão de Polícia do Exército, em Osasco, São Paulo, para apresentar o simulador. Oficiais chegaram a autorizar a realização de uma sessão experimental de tiros com o equipamento, dentro do quartel. Em Brasília, o produto foi apresentado para a Polícia Federal e para a Polícia Rodoviária Federal. “A gente está caminhando a passos largos para entrar nesse mercado”, diz Natália Cazarini, uma das responsáveis pela área comercial da Davnar.

A empresa apresenta a tecnologia como uma novidade capaz de revolucionar o mercado, especialmente por dispensar o uso de munições de verdade nos treinamentos. Por meio de projetores de imagens e réplicas de armas (com kits de adaptação, armas reais também podem ser usadas), o equipamento simula sessões de tiro ao alvo e situações reais de combate. É uma especie de cabine virtual de tiro, quase um videogame para adultos.

Na versão básica, um único módulo do produto custa R$ 70 mil. Versões mais completas chegam a R$ 2 milhões, a depender dos recursos extras que o cliente desejar. Em escala, as vendas para órgãos públicos podem render à empresa contratos na casa das centenas de milhões de reais. Representantes do grupo planejam para o próximo mês de julho um novo road show em Brasília. Eles esperam, desta vez, receber o sinal verde para a assinatura de contratos.

Sobrinho de Rogéria Nantes, mãe dos três filhos mais velhos de Jair Bolsonaro – Flávio, o 01, Carlos, o 02, de quem sempre foi mais próximo, e Eduardo, o 03 –, Léo Índio se fixou em Brasília a partir da campanha de 2018. Desde então, orbita em torno do poder. Nos primeiros anos de governo, ele circulava sem reservas pelos gabinetes mais importantes do Planalto. Como não tinha cargo oficial, sua presença já estava causando desconforto.

Índio foi aconselhado, então, a reduzir as aparições no palácio. Não significa, porém, que tenha ficado desassistido. Logo foi nomeado para cargos de confiança no Senado. Entre 2019 e 2020, ganhou a função de assessor no gabinete do senador Chico Rodrigues, de Roraima, que ocupava o posto de vice-líder do governo até ser flagrado pela Polícia Federal escondendo dinheiro na cueca. Hoje, está lotado na liderança do PL, o partido de Jair Bolsonaro.

Procurado, Léo Índio não atendeu às seguidas tentativas de contato feitas pela coluna. Por telefone, Rafael Guerra primeiro disse não ter qualquer relação com a Davnar. Depois, confrontado com os detalhes, disse que foi convidado para conhecer o simulador de tiro e, depois, resolveu levar o amigo Léo Índio a uma apresentação organizada pela empresa. Ele afirma que, inicialmente, tinha interesse em adquirir o produto para montar um clube de tiro virtual em Belo Horizonte, mas desistiu em razão do custo dos simuladores.

“Não foi para frente, não”, disse. O empresário bolsonarista nega que ele ou Léo Índio tenham se movimentado para oferecer os simuladores a órgãos do governo federal.

Natália Cazarini, da área comercial da Davnar, negou que tenha recorrido a Rafael Guerra e a Léo Índio para facilitar a oferta dos simuladores ao governo. Juan Molnar, o dono da empresa, disse nesta terça-feira que por orientação de sua área jurídica só poderia se manifestar a partir de um “pedido formal” dos repórteres.

O Comando Militar do Sudeste, ao qual está subordinado o Batalhão de Polícia do Exército onde foi feita a apresentação do simulador em agosto do ano passado, informou que as perguntas enviadas pela coluna serão respondidas pela área de comunicação do quartel-general da força, em Brasília — as respostas não haviam chegado até a publicação da reportagem.

A Polícia Federal afirmou que policiais do Comando de Operações Táticas, a tropa de elite da corporação, conheceram a ferramenta durante um congresso realizado em Santa Catarina em dezembro de 2021 e, em seguida, a fabricante se dispôs a fazer uma apresentação em Brasília. A PF negou que familiares do presidente Jair Bolsonaro tenham intercedido em favor da empresa.

Fonte Metrópoles

 

 

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