Suposto balão espião pode abalar credibilidade da China, avaliam especialistas; país eleva tom

Governo chinês acusa governo dos EUA de lançar balões no seu espaço aéreo no ano passado

Há duas semanas, um suposto balão de vigilância chinês entrou no espaço aéreo americano. A resposta da China mudou de conciliatória para indignada e, agora, à medida que as consequências continuam, para confronto direto.

Embora a postura cada vez mais linha-dura da China afete seu público doméstico, também serviu para expor as inconsistências e contradições inerentes às mensagens de Pequim – prejudicando gravemente sua credibilidade, dizem analistas.

Na segunda-feira (13), Pequim acusou Washington de operar “ilegalmente” balões de alta altitude sobre seu espaço aéreo mais de 10 vezes desde o ano passado, chamando os Estados Unidos de “o maior império de vigilância do mundo”.

A alegação – feita sem nenhum detalhe ou evidência – foi rapidamente negada pela Casa Branca, que a descreveu como “o exemplo mais recente da China lutando para controlar os danos”.

A acusação marca uma escalada notável na resposta chinesa e contrasta fortemente com sua tentativa inicial de gerenciamento de crise.

Pequim ofereceu uma rara expressão de “arrependimento” logo após a descoberta do balão, ressaltando que o dispositivo era um dirigível de pesquisa civil que se desviou do curso.

Mas as repercussões políticas e diplomáticas impediram que o incidente do balão chegasse ao fim tão rapidamente quanto Pequim esperava.

Quando ficou claro que a controvérsia continuaria a dominar as manchetes dos Estados Unidos e a atenção do público, a reação chinesa se transformou em ira.

Depois que os caças americanos derrubaram o balão, em 4 de fevereiro, o Ministério das Relações Exteriores da China acusou o país de “exagerar” e “violar seriamente a prática internacional”.

Na semana seguinte, quando as autoridades revelaram mais informações sobre o que chamam de balão espião e o vasto programa de vigilância por trás dele, a mídia estatal chinesa culpou os EUA por se envolver em “performance artística política” e “exaltar” a “ameaça chinesa”.

Agora, o governo asiático parece estar partindo para a ofensiva com sua contra-reivindicação sobre a intrusão de balões americanos.

Collin Koh, pesquisador da Escola S. Rajaratnam de Estudos Internacionais em Cingapura, descreveu as alegações como “uma espécie de olho por olho de superioridade contra as acusações de Washington”.

“Parece mais que Pequim está tentando se retratar também como uma vítima da vigilância dos EUA, em vez de ser pintado na semana passada como um agressor”, avaliou.

Na segunda-feira (13), um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China também acusou a administração americana de enviar frequentemente navios de guerra e aviões para realizar reconhecimento de curto alcance contra a China.

De acordo com o representante, o total de operações totalizou 657 no ano passado – e 64 vezes em janeiro deste ano no sul do Mar da China.

Drew Thompson, pesquisador sênior da Escola Lee Kuan Yew de Políticas Públicas da Universidade Nacional de Cingapura, chamou a mais recente tática de “um grande caso de hipocrisia”.

“Eles não estão abordando a violação grosseira da soberania dos EUA que ocorreu com o balão de vigilância sobre Montana. Eles estão tentando ver talvez algum tipo de falsa equivalência, mas estão lutando para fazer isso”, pontuou.

“Acho que eles estão sinalizando amplamente para sua própria população para garantir que não sejam apanhados na contradição da posição da China, e tem sido bastante contraditório. E é muito voltado para o público interno, por isso acho que falta credibilidade com os outros países”, adicionou.

Thompson, ex-funcionário do Departamento de Defesa dos EUA, disse que os militares usam balões, tanto amarrados quanto de alta altitude, para vigilância, mas são “muito cuidadosos” para garantir que não entrem no espaço aéreo de outros países, a menos que seja uma operação de cooperação.

Os EUA treinaram usando balões para vigilância com aliados e parceiros, inclusive com as Filipinas em 2022 como parte de seus exercícios militares conjuntos anuais, de acordo com Thompson.

“‘Todo mundo espia’ é uma ideia que não justifica a intrusão da China no espaço aéreo de outros países. A forma como os países conduzem a vigilância e o reconhecimento importa, tal como importa o respeito pelo direito internacional e o Direito do Mar”, afirmou.

Soberania no ar

A China não forneceu detalhes sobre as supostas incursões de balões dos EUA em seu espaço aéreo – por exemplo, quando e onde ocorreram ou se respondeu de alguma forma na época.

A acusação também é complicada pela forma como o país define seu espaço aéreo, especialmente devido às suas controversas reivindicações territoriais no Mar da China Meridional, dizem os especialistas.

O espaço aéreo soberano de um país é a porção da atmosfera que fica acima de seu território, incluindo suas águas territoriais que se estendem por 12 milhas náuticas a partir de sua terra.

Acima do oceano, além do limite de 12 milhas náuticas, é considerado espaço aéreo internacional, onde aeronaves comerciais e militares – incluindo balões – podem sobrevoar sem pedir permissão, explica Donald Rothwell, professor de direito internacional da Australian National University.

Mas Koh, especialista militar em Cingapura, ressaltou que, na prática, Pequim não distingue necessariamente o espaço aéreo nacional e espaço aéreo internacional.

“No passado, e até recentemente, os militares chineses desafiaram as atividades aéreas militares estrangeiras no espaço aéreo internacional de tal maneira como se fosse o espaço aéreo nacional”, destacou.

Ele citou uma colisão, em 2001, entre um avião espião da Marinha dos EUA com um caça chinês sobre o Mar da China Meridional, por exemplo.

Koh, que também é especialista em segurança marítima e assuntos navais no Indo-Pacífico, avaliou as posições oficiais adotadas no Mar da China Meridional, como com as Ilhas Spratly.

Conforme ele afirmou, elas não fazem menção explícita ao status de espaço aéreo sobre as águas e terras reivindicadas, embora o espaço aéreo sobre as áreas ocupadas pela China seja reivindicado como espaço aéreo nacional.

“Nos últimos anos, os militares chineses também têm desafiado as atividades aéreas militares estrangeiras sobre as ilhas Spratlys, incluindo aquelas dirigidas pelos filipinos, que sobrevoaram perto dos postos avançados ocupados pelos chineses”, disse ele.

As reivindicações conflitantes no Mar da China Meridional podem se estender aos céus, pois o que a China define como seu espaço aéreo acima das ilhas e águas que diz serem suas pode não ser reconhecido por outros países, como os Estados Unidos.

A China também empreendeu uma significativa recuperação de terras e construiu pelo menos sete ilhas artificiais no Mar da China Meridional. Mas, de acordo com o direito internacional, uma ilha artificial não dá soberania ao espaço aéreo, disse Rothwell.

“Uma possível interpretação do que a China disse é de que os Estados Unidos teriam lançado balões de vigilância no Mar da China Meridional – perto de uma daquelas ilhas artificiais reivindicadas como parte de seu território, e o governo chinês as identificou como exemplos de violações de suas regras de espaço aéreo”, destacou Rothwell.

“Mas é claro que os Estados Unidos voltariam e diriam: ‘Bem, na verdade, não reconhecemos a soberania chinesa sobre esses recursos’”, adicionou.

Além das disputas territoriais existentes, a definição do espaço aéreo nacional também é complicada pelo fato de que o limite superior do espaço aéreo soberano não está completamente definido pelo direito internacional.

Na prática, geralmente se estende até a altura máxima em que operam aeronaves comerciais e militares, de acordo com Rothwell.

O avião supersônico franco-britânico aposentado Concorde, que operou a 18.300 metros, estabeleceu um precedente para a extensão do espaço aéreo nacional, ressaltou.

O balão chinês estava pairando a 18.288 metros quando foi avistado no estado de Montana, nos EUA, segundo autoridades americanas, colocando-o diretamente no espaço aéreo nacional.

A China não esclareceu em que altitudes ocorreram as supostas incursões de balões nos Estados Unidos.

 

Fonte: CNN