Usina de urânio de Santa Quitéria é avaliada como ‘viável’ por equipe técnica, mas requer monitoramento ambiental

Relatório de pesquisadores da UFC destaca "insuficiências e omissões dos documentos analisados" no conteúdo do EIA-RIMA

Uma audiência pública nesta terça-feira (11) discutiu o conteúdo do Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) do Projeto de Santa Quitéria (PSQ). O empreendimento de mineração, tocado pelas empresas Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e Galvani Fertilizantes, visa produzir urânio e fertilizantes fosfatados no CearUma audiência pública nesta terça-feira (11) discutiu o conteúdo do Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) do Projeto de Santa Quitéria (PSQ). O empreendimento de mineração, tocado pelas empresas Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e Galvani Fertilizantes, visa produzir urânio e fertilizantes fosfatados no Ceará.

Agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Consórcio Santa Quitéria apresentaram o conjunto de análises técnicas sobre o projeto, considerando os aspectos econômicos, sociais e ambientais. Durante a audiência, a equipe técnica divulgou o laudo da avaliação como favorável ao empreendimento.

“Considerando-se de forma integrada os aspectos sociais, ambientais, econômicos e técnicos e as medidas mitigadoras e compensatórias previstas, conclui-se que o Projeto Santa Quitéria, de acordo com a equipe técnica, é um empreendimento viável, que atende a legislação vigente e que contribuirá para o desenvolvimento local, regional e nacional”, detalhou Claudia Paley, representante da consultoria Tetra+.

Com isso, o PSQ se aproxima da obtenção da Licença Prévia do Ibama, esperada para até o fim de junho de 2025. Em maio de 2024, o projeto de exploração industrial da usina de fosfato e urânio de Itataia, no município cearense de Santa Quitéria, foi aprovado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).

No entanto, um parecer técnico realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) destacou “insuficiências e omissões” nos documentos analisados e no relatório EIA-RIMA do Projeto de Santa Quitéria. Além disso, também citou problemas em dados apresentados sobre a emissão de contaminantes atmosféricos nocivos à saúde.

‘INSUFICIÊNCIAS E OMISSÕES DOS DOCUMENTOS ANALISADOS’

O relatório dos pesquisadores da UFC aponta para o potencial de geração de impactos de difícil controle e que violam o ordenamento jurídico brasileiro”. Ele foi elaborado por mais de vinte profissionais das áreas de Medicina, Biologia, Geologia, Psicologia, Direito, entre outras, sendo desenvolvido dentro do Painel Acadêmico sobre a Mineração de Urânio e Fosfato em Santa Quitéria.

A coordenação da pesquisa foi realizada pelas professoras Raquel Maria Rigotto e Maxmiria Holanda Batista, do Departamento de Saúde Comunitária; e dos pesquisadores Rafael Dias de Melo e Lívia Alves Dias Ribeiro, do Núcleo Tramas Trabalho, Meio Ambiente e Saúde da UFC.

Com a pesquisa, os especialistas buscam fornecer mais informações ao Ibama, Comissão Nacional de Energia Nuclear, Ministério do Trabalho e Emprego, Secretaria de Saúde do Ceará, Secretaria de Recursos Hídricos (COGERH) e à Secretaria Estadual de Meio Ambiente.

AUDIÊNCIA PÚBLICA MEDIADA PELO IBAMA

A audiência pública foi realizada no município de Santa Quitéria, sendo presidida e coordenada pelo Ibama, que também mediou os debates. Durante a fase expositiva, houve discussões sobre o procedimento de licenciamento ambiental, radiológico, assim como a apresentação do EIA-RIMA e dos detalhes do empreendimento.

Na mesa, inclusive, os representantes apresentaram pontos favoráveis ao projeto. Porém, não havia representantes dos pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), que visavam explanar o parecer técnico da instituição que apontou omissões e insuficiências do “relatório oficial”.

Durante a audiência pública, manifestantes protestaram e se posicionam contra o empreendimento. “Água sim, urânio não. Água para o povo e não para a mineração”, entoaram em diversos momentos do evento.

A participação popular e dos pesquisadores foi permitida após a fala dos representantes da mesa da audiência, com tempo mais reduzido para cada fala. A audiência teve início às 14h e prosseguiu até a publicação desta matéria, com perguntas e respostas sobre o empreendimento.

FISCALIZAÇÃO DO USO SEGURO DA RADIAÇÃO 

O representante da CNEN, Ricardo Fraga Guterres, destacou que a Comissão Nacional de Energia Nuclear atua na regulamentação e fiscalização do uso seguro da radiação no Brasil. Na audiência, ele declarou que o município de Santa Quitéria é uma região de baixas doses, registrando 0,91 mSv/ano (dose média anual), conforme o Programa de Monitoração Radiológica Ambiental Pré-Operacional (INB).

Em regiões de baixas doses, afirmou que:

  • Não é possível afirmar que o câncer é induzido por radiação;
  • Não há evidências consistentes demonstrando que a radiação induz efeitos hereditários;
  • Estudos epidemiológicos não são conclusivos.

QUAIS CRITÉRIOS O PROJETO PRECISA CUMPRIR PARA SER APROVADO?

O projeto precisa provar o cumprimento de requisitos já estipulados pela CNEN. Dentre os critérios, estão:

  • Considerar dados referentes a um período mínimo de 2 anos;
  • Avaliar as condições ambientais antes do início das operações;
  • Caracterizar a radiação de fundo local para estabelecer uma linha de base para comparação futura.

Dentre outras atividades que o projeto precisa realizar, estão: monitoramento da qualidade da água e do solo, medições de radiação ambiental, análises do ar e da biodiversidade, estudos sobre impactos na fauna e flora local, levantamento de dados meteorológicos e hidrogeológicos.

A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) realiza a licença da parte radiológica, enquanto o Ibama licencia a parte ambiental.

USINA DE URÂNIO EM SANTA QUITÉRIA

O Projeto Santa Quitéria, que consiste em ser uma usina de extração de urânio, é um empreendimento tocado pelo Consórcio Santa Quitéria – integrado pelas empresas INB-Galvani. Ele prevê investimentos de R$ 2,3 bilhões para a exploração da mina, que tem 99,8% de fosfato e 0,2% de urânio.

 

Legenda: Jazida de Santa Quitéria
Foto: Kid Júnior

 

A usina ficará localizada na fazenda Itataia, que tem área de 6.800 hectares, dos quais 380 serão ocupados pelo empreendimento. Ela produzirá:

  • Fertilizantes fosfatados de alto valor que serão destinados à agricultura;
  • Fosfato bicálcico que será destinado à produção de ração animal;
  • Concentrado de urânio, a ser destinado à geração de energia elétrica.

Nas redes sociais, grupos contrárias à usina mostram preocupação com possíveis vazamentos e acidentes com material radioativo na área, além de o qualificarem como “projeto de destruição” e “inimigo do meio ambiente”.

 

Legenda: Será assim (foto) o complexo industrial de exploração e beneficiamento do fosfato e do urânio de Itataia, que aguarda a Licença Prévia do Ibama
Foto: Reprodução EIA/Rima

 

Durante a audiência, o representante do Consócio Santa Quitéria, Cristiano Lemos de Moraes Brandão, destacou que o projeto possui o sistema de drenagens e circuito fechado. “Não há o lançamento de nenhum tipo de afluente para nenhuma drenagem natural desse território. 100% desse projeto trabalha em circuito fechado”, explicou.

Segundo ele, as atividades operacionais do Projeto Santa Quitéria (PSQ) não irão alterar as condições do ambiente de forma a prejudicar a saúde, a segurança da população ou a qualidade ambiental do entorno.

Ao todo, o representante do Consórcio estima que durante a fase de construção haverá a geração de 2,8 mil empregos diretos e 5,6 mil indiretos. Já durante a fase de operação, a estimativa é de 540 empregos diretos e 2,3 mil indiretos,

RISCO DE RACIONAMENTO HÍDRICO

Porém, durante a audiência, o doutorando Rafael Dias de Melo, representante da Universidade Federal do Ceará, destacou o receio em relação à saúde da população e à viabilidade hídrica do local. Com atuação há mais de dez anos, a Universidade Federal do Ceará tem realizado trocas com as comunidades da região e acompanhado o processo de licenciamento ambiental.

 

Representante da UFC
Legenda: Rafael, representante da UFC, destacou que o relatório possui inconsistência de dados meteorológicos
Foto: Reprodução/YouTube

 

Acerca do parecer técnico científico sobre o estudo de impacto ambiental do Projeto de Santa Quitéria, Rafael afirmou:

O início do funcionamento do Projeto Santa Quitéria traz para a região um aumento considerável do risco de racionamento hídrico, mas não só. Além disso, pode comprometer o modo de vida de três importantes comunidades pescadoras, que vivem próxima ao açude Edson Queiroz: a São Damião, São Cosme e Santa Margarida”.

Rafael Dias de Melo

Representante da Universidade Federal do Ceará

Sobre a questão do risco de câncer, afirma ser uma das maiores preocupações da população. Segundo Rafael, o estudo de impacto radiológico atmosférico apresentado — que avalia as doses do grupo crítico — possui inconsistência de dados meteorológicos utilizados e recomendou refazer o estudo de dispersão de poluentes atmosféricos com radionuclídeos a partir dos dados da Estação de Itataia.

Por fim, sobre a adutora que será utilizada na usina, questionou: “Por que essa adutora, que tem licenciamento de instalação desde 2022, não está funcionando abastecendo as comunidades da região? A injustiça hídrica e ambiental é porque essa adutora não é para abastecimento humana. 98% dela é para abastecimento desse empreendimento”.

AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS EM SANTA QUITÉRIA

A audiência também contou com uma apresentação de representantes das consultorias Tetra+ e Amplo, sendo respectivamente Claudia Paley e Charles Pierre Parreiras. Eles focaram no diagnóstico ambiental atual, considerando os meios: socioeconômico, físico e biótico.

No diagnóstico socioeconômico, Charles destacou que avaliaram a área de influência indireta de territórios municipais — que afeta Santa Quitéria, Itatira, Canindé e Madalena — e a Área de Influência Direta.

Ao todo, a Área de Influência Direta será abarcada por 26 comunidades. As localidades citadas, são: Lagoa do Mato, Mourão, PA Umarizeira, Barro Vermelho, Boa Vista, Bola de Ouro, Fazenda Oriente/Novo Oriente, Fazenda Ponteira, Machadinho, Poço de Pedra, Raposa, Santana, São Joaquim, Itatira, Macaoca, Sabonete, Cantina, Fazenda Tapera, PA Morrinhos, PA Queimadas, PA Saco de Belém, Riacho das Pedras, Barriguinha, Pajeú, Quixabá, Santa Quitéria.

IMPACTOS SOCIOECONÔMICOS

Foram listados 15 impactos socioeconômicos da fase de implantação, dentre os aspectos positivos e negativos. Para cada impacto, foram realizadas ações para balancear os aspectos negativos e potencializar os positivos.

Impactos socioeconômicos Ações de contrapartida
Criação de empregos e geração de renda Articulação interinstitucional
Geração de tributos para os municípios Monitoramento de infraestrutura e serviços essenciais
Alteração da economia Gestão de Tráfego, Segurança e Alerta
Alteração da demanda por habitação e vagas em hotéis Comunicação e relacionamento social
Alteração da dinâmica populacional Controle ambiental das obras
Possíveis conflitos entre população local e pessoas de fora Gestão de mão de obra
Redução dos níveis de segurança pública Educação ambiental
Maior incidência de gravidez e gravidez na adolescência Convivência e prevenção de conflitos
Aumento do quadro de doenças infecciosas e transmissíveis Gestão social dos contratados
Aumento da demanda por serviços públicos (saúde, educação, saneamento) Monitoramento e Promoção da Saúde Coletiva
Geração de incômodos por atividades do empreendimento Apoio ao desenvolvimento urbano regional
Alteração da paisagem Gestão do Patrimônio Arqueológico e Cultural
Alteração dos modos de vida da população
Comprometimento histórico e arqueológico
Aumento do tráfego de veículos

Haverá ainda o controle de emissões atmosféricas, qualidade do ar, recuperação das áreas degradadas, qualidade da água superficial e subterrânea, ruídos e vibrações, monitoramento de processos erosivos, saúde, segurança e meio ambiente

IMPACTOS DO MEIO FÍSICO

Dentre os impactos do meio físico, foram listados:

  • Alteração dos terrenos;
  • Alteração da recarga dos aquíferos;
  • Alterações na qualidade do solo e das águas subterrâneas;
  • Alteração da rede hirográfica;
  • Alteração da qualidade das águas superficiais e dos sedimentos;
  • Alteração do níveis de ruídos;
  • Alteração dos níveis de virbação no solo;
  • Alteração da qualidade do ar;
  • Comprometimento das cavidades naturais.

Em contrapartida, o PSQ busca realizar o controle ambiental da água, assim como recuperar as áreas degradadas.

Além disso, destacam que haverá a impermeabilização das áreas das bases do projeto, para evitar a contaminação de aquíferos com urânio. Além de se monitorar continuamente a qualidade das águas

IMPACTOS NO MEIO BIÓTICO

Durante a apresentação, também destacaram os impactos no meio biótico e as ações de contrapartida. Dentre alguns dos impactos, estão: redução da vegetação, perda de habitats, mudança da biodiversidade, perda de indivíduos da fauna, perda de habitat aquático.

Para tentar reduzir esses impactos, visam realizar educação ambiental, plantio e compensação, recuperação de áreas degradadas e resgate de sementes e da fauna.

POLÊMICAS DO PROJETO DE SANTA QUITÉRIA

O projeto é atravessado por diversas polêmicas. Em relatório realizado pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), em 2022, foi apontado que o projeto de extração de urânico pode impactar diretamente pelo menos 11 municípios com material radioativo e elevar a radiação do local. O Conselho foi instituído pelo Governo Federal em 2014.

Os especialistas compartilham o receio com o aumento de câncer associados à radioatividade, assim como falta de água para consumo humano e para criação de animais.

Na época, a conselheira do CNDH, Virginia Berriel, veio ao Ceará para produção do documento. “Nosso relatório é extremamente técnico e científico, com uma pesquisa relevante, grande parte dessas informações nem pessoas do Governo e do Ibama têm”, afirma.

Dentre as cidades que podem ser afetadas pelo projeto, estão: Santa Quitéria, Itatira, Monsenhor Tabosa, Boa Viagem, Tamboril, Catunda, Madalena, Canindé, Sobral, Caucaia e São Gonçalo do Amarante.

COMO SE MANIFESTAR SOBRE AVALIAÇÃO DA EQUIPE TÉCNICA?

Para quem busca se manifestar sobre o empreendimento, é possível enviar um e-mail para comip.sede@ibama.gov.br no prazo de 30 dias, contando a partir desta terça-feira (11).

Fonte: Diário do Nordeste

Fonte: Diário do Nordeste