Vítima de abuso, assistente social escreve livro sobre violência sexual para ajudar a levar tema às escolas, no Ceará
Mônica Matos criou o livro "Tom, Elis e Chico" para falar sobre violência sexual de uma maneira que crianças possam entender e ajudar a ampliar a educação sexual nas escolas.
Três macaquinhos, chamados Tom, Elis e Chico, viviam felizes e com sonhos coloridos, até a chegada de uma mão, que mudou o comportamento deles. A fábula foi criada por Mônica Matos, escritora e assistente social do Ceará. Os objetivos do livro é falar sobre violência sexual de uma maneira que crianças possam entender e ajudar a ampliar a educação sexual nas escolas. Neste sábado, 18 de maio, é marcado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
Mônica, de 26 anos, é de Pentecoste, no interior do Ceará. Ela foi uma das incontáveis vítimas de violência sexual na infância; foi abusada dos seis aos 12 anos, por um homem próximo à família. Ela, no entanto, reforçou que o livro escrito não é autobiográfico.
“Quando falamos desse tipo de violência, há uma repercussão cheia de tabus e estereótipos e, acima de tudo, de silêncio”, declarou Mônica.
O g1 questionou a Secretaria da Segurança Pública sobre a quantidade de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes em 2023 no Ceará, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
O livro, segundo a autora, é o primeiro do estado a abordar de forma leve e lúdica o tema da violência sexual contra crianças e adolescentes. A publicação foi lançada em 2019 durante a Bienal do Livro do Ceará, com a proposta de ser um manual aos professores, pais e também às crianças.
“É para que a criança consiga entender sobre consentimento, que ela é um sujeito de direito, que pode dizer não. E, acima de tudo, proteger a criança de forma integral”, explicou a autora.
“A mão [vilã na história] é amiga dos pais dos macaquinhos. Fiz questão de dizer isso para alertar que 85% dos casos de violência sexual cometidos contra crianças acontece com pessoas próximas às crianças. Isso facilita com que o abuso aconteça, mas permaneça acontecendo por muito tempo. A criança sente medo, culpa, vergonha, porque é um adulto que ela conhece e confia”, explicou a escritora.
Mônica é ativista contra a violência sexual desde os 14 anos, quando ainda estava no ensino médio. “Por isso, eu reforço a importância da escola, que não é só grade curricular. É um espaço de cidadania, proteção e garantia de direitos. O meu principal trabalho tem como foco a sala de aula, chegar até o público; não somente às crianças e adolescentes, mas também à gestão e aos docentes”, declarou;
Mônica Matos disse que conseguiu denunciar o abuso que sofria apenas após um professor de português notar mudanças no comportamento dela. O ambiente escolar, para Mônica, serviu como refúgio. No último dia 9, uma adolescente denunciou o próprio irmão por estupro depois de assistir uma palestra de policiais na escola.
Insistir na educação sexual, conversar com os alunos sobre temas sensíveis — a eles e à sociedade — e deixar que os estudantes sejam protagonistas. É assim que a professora Leiliane Clemente trata a temática na escola onde trabalha.
Ela leciona língua portuguesa em uma escola de ensino fundamental da rede municipal de Fortaleza. Ela dá aulas para turmas de 8º e 9º ano do ensino fundamental — que têm uma faixa etária comum de 13 a 14 anos.
Leiliane explicou que a educação sexual é um tema transversal que é proposto pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). Ou seja, o tema pode ser abordado como temática dentro de algum conteúdo que esteja sendo abordado. Com isso, ela traz a temática dentro das aulas sobre o gênero literário “seminário”.
“Eu explico o gênero seminário, e proponho a divisão da sala em grupos que falem sobre temas associados à sexualidade; um dos temas sempre é educação sexual nas escolas”, disse Leiliane. Ela comentou, inclusive, que programa a atividade para o período de maio visando o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
Apesar dos esforços, Leiliane também avaliou que o tema ainda é difícil de se tratar plenamente nas escolas. O g1 questionou a Secretaria Municipal de Educação (SME) sobre como o órgão tem trabalhado a temática na rede de ensino, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
“Infelizmente, [a educação sexual] ainda é tratado como tabu, como um estímulo que vai gerar uma resposta sexualizada, que vai induzir os alunos a agir de forma sexualizada, mas a gente sabe que a educação sexual não é isso”, reforçou a professora.
Ela disse que tem conseguido abordar o tema dando autonomia aos alunos para pesquisar e conversar entre eles mesmo sobre o assunto, para que depois seja apresentado como trabalhos nos estudos sobre o gênero textual seminário.
“A educação sexual é gerar ciência do próprio corpo, dos próprios limites, dos limites dos outros em relação ao seu próprio corpo, dos limites dos outros a como você se sente, quando o outro age de certas formas, com certas abordagens com você”, complementou.
“A escola, falando como instituição macro, geralmente tem medo de falar sobre esse tema por receio da represália da família [dos estudantes]. Porém, como o livro didático me dá essa liberdade, já propõe essa temática, eu amarro o planejamento da aula sobre seminário e uso como justificativa para estimular o pensamento crítico dos alunos”, explicou a professora.
Fonte: G1 Ce