Vou registrar em cartório ‘Leão’ como meu sobrenome por amor ao Fortaleza
A paixão de um torcedor por um clube de futebol não se explica nem se entende: se incorpora
Fruta que dá em limeira é limão. Passarinho tem mania de ser pequeno e, por isso, voa. As coisas poderiam ser assim, fáceis e matemáticas, não fosse o correr da vida. Tudo demanda esforço, trabalho. Olha o Marcelo, por exemplo. Na primeira aula como professor efetivado, precisou tomar decisão importante. Como gostaria de ser conhecido dali pra frente? Pelo nome registrado em cartório ou por aquele que o time do coração lhe deu?
“Marcelo Leão”, escreveu pros alunos, o pincel marcando as letras na superfície branca. Pronto, definida a alcunha para a carreira. Marcelo Leão seria bandeira, orgulho e presença. E soava bem o casamento dos termos. Marcelo vem do latim Marcellus. É diminutivo de Márcio e Marcos. “Guerreiro”, “aquele que confia na capacidade de superar dificuldades”. Já Leão era leão. Fera, besta, animal. Também mascote de clube futebolístico.
aqui o ponto. A história da junção dos dois nomes não começa naquele primeiro dia de aula, não. Voltemos aos anos 1990. O menino Marcelo tinha por volta dos 13 anos quando começou a sentir um negócio diferente. Fortaleza Esporte Clube não parecia somente um time. Era algo mais. Quando o garoto pisava no estádio para assistir à equipe jogar, percebia. Passava a pertencer. E pertencer é bom porque a gente se sente mais gente, né?
Tudo bem que o clube não estava na melhor fase naquela época. Série C do campeonato, sucessivas derrotas, torcedor cabisbaixo e desmotivado. Mas o Marcelinho não estava nem aí. Gostava mesmo era de crescer o peito quando a equipe entrava em campo, azul, branco e vermelho tomando a vista. Parentes e amigos ao lado, aquela algazarra e paixão. Um dia ele haveria de contar que aqueles foram alguns dos instantes mais especiais da vida.
“Tem gente que é católica, evangélica… Eu sou Fortaleza. Foi onde me encontrei como o Marcelo que, já naquele momento, começou a ser chamado de Marcelo Leão”. Por sinal, o mesmo ambiente escolar que o tornou professor leonino até no nome foi o que pavimentou os primeiros caminhos para que ele ficasse conhecido como é hoje. Não precisava constar na certidão de nascimento. Leão sempre foi realidade, verdadeiro sobrenome.
Mas o tempo avança e chega uma hora que a gente quer oficializar as coisas. Principalmente quando o universo conspira a favor. O Fortaleza Esporte Clube reservaria mais surpresas ao nosso herói futebolisticamente apaixonado. A principal delas talvez tenha sido uma torcedora igualmente alucinada. Bruna já conhecia o Marcelo, embora apenas de vista. Houve um dia, porém, em que ia descendo as arquibancadas do estádio – habitat natural dos dois – e acenou.
Ele retribuiu o gesto e começaram a conversar, chamar para assistir aos jogos juntos, firmar laço mais duradouro. Foi bom ceder ao chamego. Era 2015. Um ano depois, casamento em tons tricolores. Três anos após, centenário do Fortaleza e a chegada da Maria Beatriz – a Mabi. Poucos meses na barriga da mãe e já ocupando a torcida. Sócia mais nova da história do clube. Hoje com quatro anos, é a alegria da casa, leonina ferrenha e fofinha.
O universo conspira a favor, e é verdade. Nem se ele não quisesse, Marcelo o obrigaria. Como da vez em que, residindo em Messejana, precisou ir a um jogo do Fortaleza no Presidente Vargas. No meio do caminho, o carro ficou no prego e o torcedor decidiu deixar o bendito lá mesmo. Iria a pé, mas não perderia a partida. Uma caroninha salvou tudo, mas ficou a mensagem: em matéria de Fortaleza, o homem é capaz de tudo.
Noutra vez, também envolvendo veículos, dirigiu em um sem freio da Capital a Horizonte também para assistir ao jogo do Leão do Pici. Foi o jeito, pedal quebrado. Era quarta chuvosa, o Fortaleza acabou perdendo. Se valeu o desafio? Faria tudo de novo.
Como quando também recusou proposta de emprego porque os horários das aulas chocavam com os dias de transmissão dos jogos; e deixou de ir ao casamento de um amigo no qual seria padrinho porque uma partida do time aconteceria no mesmo momento.
próximo passo vai parecer outra loucura, mas não é. Marcelo diz que é amor. Eu também. O professor quer oficializar, no cartório, a palavra “Leão” como um dos sobrenomes. Antes do recesso do fim deste ano, deve acontecer. Aí não será mais Marcelo Roger Bastos de Lima, 38 anos, filho, esposo e pai, educador da Geografia. Mas Marcelo Roger Bastos de Lima Leão, tudo aquilo já dito e mais: o primeiro de seu nome, criador de uma nova dinastia.
“Minha esposa e minha filha também vão acrescentar Leão ao nome delas. Vamos começar a dinastia a partir de nós. Os primeiros dos Leões. Será um alívio e um orgulho muito grandes – porque vou poder, oficialmente, começar essa dinastia, como sempre sonhei. Ter uma família tricolor. Já sonho com meus netos tricolores. Que os próximos que venham possam se estabelecer assim. É quando perceberei o amor saindo do abstrato pro concreto”.
Sim, porque fruta que dá em limeira é limão. E passarinho tem mania de ser pequeno, por isso voa. Quem nasceu pra ser tricolor também nunca deixará de ser. Então que se aumente o carinho pelas coisas. Saber que o time vai te acompanhar até quando te chamarem pelo nome. “Ô Marcelo!”, gritarão. “Pode me chamar de Leão”.
Fonte: Diário do Nordeste