Novo conflito entre facções se espalha no Ceará e desafia estratégias da Segurança Pública
O xadrez da Segurança Pública é uma partida infinita. Peças movidas anos atrás reaparecem no jogo, mexidas que pareciam ser a melhor decisão acabam se revelando equívocos depois. Um tabuleiro em movimento constante e imprevisível.
O cenário de novo conflito de facções de 2023 era improvável em 2017, quando foram tomadas as decisões para conter os números de homicídios que chegaram ao recorde de 5.134 durante o ano, em razão de uma guerra entre facções para lotear territórios para a venda de drogas no Ceará.
Para além das ruas, o Sistema Penitenciário também foi dividido, para evitar as constantes rebeliões e matanças ocorridas naquele período. Já ao ingressar em alguma unidade prisional, o detento afirmava a qual facção pertencia ou simpatizava. Aqueles que diziam que não eram de nenhuma facção eram denominados “massa carcerária” e encaminhados para uma única penitenciária.
A massa era neutra no conflito entre Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV), que existia em todo o Brasil, intensificado no Ceará pelo surgimento da facção Guardiões do Estado (GDE) e pela tentativa da Família do Norte (FDN) de expandir seu esquema criminoso aqui.
O chefe do CV no Ceará naquele momento era Max Miliano Machado da Silva, o ‘Pio’, preso no estado do Pará com 600Kg de cocaína e R$ 70 milhões. O prejuízo causado pela prisão terminou por gerar um dissidência dentro da própria facção e Francisco Cilas de Moura Araújo, o ‘Mago’, fundou uma nova organização, em Caucaia, denominada Comando da Laje.
‘Mago’ expandiu seu esquema quando rompeu com o CV e se aliou ao PCC para conseguir comprar uma quantidade maior de drogas, afirma um oficial da PM que trabalhou na área dos conflitos, mas preferiu não se identificar. “O Cilas lembrou daquela massa que estava na cadeia sem ser ligada a nenhuma facção e passou a persuadi-la. Quando ele conseguiu atrair aquelas pessoas, o Comando da Laje deixou de existir e passou a ser a facção Massa, que hoje é uma das maiores do Ceará”, afirmou o coronel.
A Massa tenta conquistar os espaços deixados pela GDE, que perdeu expressão quando foi desmantelada e seus fundadores presos pela Delegacia de Combate às Ações Criminosas Organizadas (Draco). Além disso, busca se aliar ao PCC e protagoniza um conflito com o CV em vários pontos do Estado.
Um servidor da Polícia Civil, que investiga facções criminosas, afirma que atualmente o principal conflito que existe no Ceará é entre Massa e Comando Vermelho.
“O PCC é uma facção considerada mais ‘seletiva’, por ter um sistema de organização maior. Eles se aproveitam dessas facções menores para vender droga em grandes quantidades e para encampar essas brigas por territórios, que envolvem muitas execuções. Foi isso que eles fizeram com a GDE e agora tentam fazer com a Massa. Trazem para perto para que eles comprem a briga e façam a arruaça”, afirmou.
De acordo com ele, os últimos remanescentes do FDN no Ceará se aliaram ao CV, enquanto grande parte da GDE está migrando para a Massa.
“Em razão dos conflitos que aconteceram em 2016, a GDE virou um inimigo histórico do CV. Não são aceitos lá. Com o enfraquecimento da facção, estão tentando uma aliança com a Massa. Já o FDN sofreu baixas importantes aqui, inclusive a morte de um dos líderes, e se retirou completamente”, explicou o servidor.
Conflitos intensificados
A Massa foi criada em Caucaia e também foi lá que os conflitos começaram de forma mais intensa. Hoje, a facção já domina o tráfico no Parque Potira, Araturi, Parque Leblon e está avançando contra o Residencial José Lino da Silveira, ainda dominado pela GDE.
Na Capital, a facção já conseguiu tomar parte do Lagamar e também está presente em Messejana, Aerolândia, Ancuri, Jardim das Oliveiras e Pirambu. No Grande Pirambu, inclusive, alguns carros foram parados e incendiados nas ruas, nos dias 10 e 11 de agosto, a mando da facção.
“São demonstrações de força parecidas com aquelas vistas em 2017. É lógico que houve uma falha no monitoramento da massa carcerária de um Estado, que estava passando por uma pacificação com uma trabalheira muito grande para desarticular a GDE. O nascimento de um novo grupo armado, com potencial para fazer frente ao Comando Vermelho, desequilibra as estratégias de Segurança Pública. Começa tudo de novo”, afirmou o investigador da Polícia Civil.
Fonte: O Povo