Meruoca produz filme de animação em 2D para exaltar cultura nordestina
Localizado na região serrana cearense, município de Meruoca é sede de “Um Natal no Sertão”, longa-metragem em fase de desenvolvimento e com previsão de lançamento em 2026
Em breve você conhecerá Cidinha. Ela é uma menina esperta que, de repente, se vê obrigada a cruzar a Caatinga para encontrar a casa da avó. No caminho, encontra dois amigos improváveis: um casal de irmãos soins, com os quais vive uma série de aventuras. É a trama de “Um Natal no Sertão”, filme com DNA genuinamente cearense.
Com previsão de lançamento no próximo ano, o longa-metragem se encontra em fase de desenvolvimento e promete muita diversão e conhecimento ao público. Um dos maiores atributos da obra está nos detalhes. O principal é o fato de ser produzido em Meruoca, pequeno município do interior cearense, e no formato de animação em 2D.
A escolha por essa linguagem se deu por vários motivos. Primeiro, para movimentar uma cadeia produtiva interiorana que necessita de fomento. “O Ceará possui diversos profissionais da animação que acabam tendo que migrar para outras atividades devido a longos períodos sem produção”, explica Augusto César dos Santos, roteirista e diretor do filme.
Segundo, por estética. A margem criativa para animação permite à equipe certas liberdades com outro nível de complexidade em live action – sobretudo porque a narrativa conta com diversos personagens não-humanos.
Decidir pela animação também diz respeito à distribuição, uma vez necessitar de mais obras cearenses nesse formato, contando histórias sob nosso ponto de vista, mas com o cuidado de não reforçar estereótipos.
“A temática do Nordeste, especialmente da Caatinga, sempre nos interessou e, com efeito, a produtora já esteve envolvida em diversos projetos que permeiam esse universo”, diz Augusto, referenciando a Narrativa Entretenimento, do qual é diretor. Para ele, a riqueza nordestina está presente em tudo na obra, nas menores e maiores coisas.

Cidinha, por exemplo, com apenas oito anos, atravessa as paisagens ao lado do jumentinho Lulu e dos amigos saguis, Lucy e Rone. A menina é expert na brincadeira do pião, e Lucy e Rone compreendem profundamente a vida no seio da Caatinga – este último, por sinal, revelando uma crítica social muito forte.
Há espaço também para a culinária, por meio dos doces que vovó Tereza produz para o Natal; e na própria construção imagética do Papai Noel, criado por Conceição, irmã de Cidinha.
“Trazer esses temas para o centro da trama é bastante relevante para a referência do lugar, afinal é um filme produzido por cearenses, com vozes, técnicas e compreensões de mundo a partir do nosso ponto de vista”.
Os desafios de fazer animação
De acordo com o diretor, criar a jornada de Cidinha em live-action envolveria técnicas computacionais incompatíveis com o orçamento da produção. Soma-se a isso o fato de que o trabalho realizado pelo setor de arte oferece um visual bastante interessante das paisagens sertanejas, e a opção pela animação pareceu cada vez mais certeira.
Há desafios nessa travessia, porém. Devido às diversas etapas e grande quantidade de pessoas envolvidas, é impraticável reunir uma equipe inteiramente local. Assim, torna-se essencial um cuidadoso trabalho de logística para coordenar cada um dos setores – props, animatic, desenho de som, diálogos, arte, dentre outros.

“Reunir a equipe fica ainda mais árduo porque, felizmente, por meio da lei Paulo Gustavo e da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB), os diversos profissionais estão envolvidos nos seus respectivos projetos. Todavia, conseguimos contornar esses impasses, e o projeto segue intenso, colocando Meruoca como grande protagonista da produção cinematográfica na região do Sertão de Sobral”.
Ao todo, são cerca de 40 profissionais envolvidos – incluindo, além de Meruoca, gente de Fortaleza, Barbalha e Tianguá, a maioria do interior cearense. Todos vivenciam, diariamente, um passo a passo no mínimo movimentado. Tudo começa, por exemplo, com o roteiro. Depois de vários tratamentos, consultoria, análise e decupagem, é incluído o setor da arte, responsável pelas concepções estéticas de personagens e da paisagem.

Nessa etapa, acontece a decisão pelo estilo técnico da animação: neste caso, a de cut-out, a partir de recortes de peças na qual os personagens são criados virtualmente e manipulados feito puppets dentro do programa. “Logo após, alguns setores caminham em paralelo, como o Animatic, produção de Props, Rigs de personagens e gravação primária das vozes. Só aí inicia-se a animação em si, realizada por diversos profissionais”, explica Augusto.
Depois da animação iniciada, começa-se a pensar nas camadas sonoras – trilha musical e efeitos especiais. Para que tudo isso ocorra de forma harmoniosa e dentro dos prazos estabelecidos, uma equipe de produção trabalha arduamente, a fim de dar conta de todas as etapas com a máxima eficiência.

“Há dois núcleos de produção, um em Meruoca e outro em Fortaleza, de onde os profissionais trabalham. A integração é feita de forma remota, por meio de plataformas como o Kitsu, que facilita os feedbacks das etapas técnicas”.
Inspirar outros trabalhos
“Um Natal no Sertão” não é o primeiro filme de animação produzido na Meruoca. Na cidade, em 2022, também foi realizado o curta “As Aventuras de Ana e João”, filme sobre acessibilidade que circulou por importantes festivais pelo Brasil.
Na visão de Augusto, a própria realização do atual projeto é prova de que mesmo as produtoras distantes da capital conseguem tocar projetos de grande envergadura, gerando emprego, fomentando a indústria criativa e ajudando a contar histórias locais.
“Esperamos que isto inspire outros contadores de historia e artistas em geral”, torce o cineasta. “O Ceará tem dado grandes passos nos últimos anos, precisamos reconhecer. A própria Secretaria da Cultura hoje está bem mais próxima dos produtores do que era há 15, 20 anos. As políticas de fomento têm tido um relevante avanço e há um diálogo”.

Ainda assim, há detalhes que merecem aperfeiçoamento, segundo ele. Um deles é uma calendarização mais assertiva dos editais de Cinema e Vídeo, atualmente o principal mecanismo de fomento do Estado. “A falta de um calendário seguido à risca compromete muito o planejamento das produtoras e profissionais. Para se ter ideia, as últimas edições do edital só foram realizadas devido aos aportes federais via PNAB e Lei Paulo Gustavo”.
“A distribuição será em festivais de cinema ao longo do próximo ano, com pretensão de estrear comercialmente no final do segundo semestre, visando o período natalino. Após ampla circulação, o filme seguirá para negociação com streamings. Paralelamente, para que ele chegue no maior número de cearenses possíveis, organizaremos exibições em cineclubes pelo interior do Estado e capital”.
Fonte: Diário do Nordeste